Evangelho de domingo: o pão que dá a vida eterna

Comentário ao Evangelho do XVII domingo do Tempo Comum (Ciclo B). «Jesus tomou os pães e, depois de dar graças, repartiu-os pelos que estavam sentados» (Mt 6, 11). A abundância dos dons divinos, como o da Eucaristia, leva-nos a uma entrega que é a nossa resposta generosa.

Evangelho (Jo 6, 1-15)

Naquele tempo, Jesus partiu para o outro lado do mar da Galileia, ou de Tiberíades. Seguia-O numerosa multidão, por ver os milagres que Ele realizava nos doentes. Jesus subiu a um monte e sentou-Se aí com os seus discípulos. Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus. Erguendo os olhos e vendo que uma grande multidão vinha ao seu encontro, Jesus disse a Filipe:

«Onde havemos de comprar pão para lhes dar de comer?».

Dizia isto para o experimentar, pois Ele bem sabia o que ia fazer. Respondeu-Lhe Filipe:

«Duzentos denários de pão não chegam para dar um bocadinho a cada um».

Disse-Lhe um dos discípulos, André, irmão de Simão Pedro:

«Está aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada e dois peixes. Mas que é isso para tanta gente?».

Jesus respondeu:

«Mandai sentar essa gente».

Havia muita erva naquele lugar e os homens sentaram-se em número de uns cinco mil. Então, Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, fazendo o mesmo com os peixes; e comeram quanto quiseram. Quando ficaram saciados, Jesus disse aos discípulos:

«Recolhei os bocados que sobraram, para que nada se perca».

Recolheram-nos e encheram doze cestos com os bocados dos cinco pães de cevada que sobraram aos que tinham comido. Quando viram o milagre que Jesus fizera, aqueles homens começaram a dizer:

«Este é, na verdade, o Profeta que estava para vir ao mundo».

Mas Jesus, sabendo que viriam buscá-l’O para O fazerem rei, retirou-Se novamente, sozinho, para o monte.


Comentário

O Evangelho de hoje narra uma multiplicação dos pães e dos peixes; era um dia de primavera, pois havia muita erva, onde Cristo mandou sentar uma grande multidão (cf. Jo 6, 10). Jesus fez primeiro uma pergunta a Filipe, para o preparar para receber o milagre com fé. Como podemos dar de comer a tanta gente? Deus quer necessitar das pessoas humanas. É um modo que Deus tem de fazer-nos crescer na fé e na audácia; é também a sua maneira de nos associar mais intimamente à sua vida. André apresenta a Jesus um jovem que tem cinco pães de cevada e dois peixes. O Senhor dá graças e multiplica estes alimentos em abundância. Não sabemos exatamente como aconteceu o milagre. Na multiplicação dos pães relatada por Mateus, Jesus pede aos seus discípulos que distribuam o alimento (cf. Mt 14, 19), e talvez, como pensam alguns Padres da Igreja, o pão continuasse a sair dos cestos em que os discípulos metiam as mãos, como aconteceu com o milagre de Eliseu com o azeite da viúva: o azeite continuava a manar de la almotolia (cf. 2Rs 4, 1-7).

S. João especifica que a Páscoa estava próxima. Um pouco mais tarde, no mesmo capítulo, o evangelista relata o discurso do pão de vida. Há, pois, um evidente simbolismo no relato de João que remete para o mistério pascal e para o mistério eucarístico. Nesta passagem, algumas palavras em grego, como o verbo "eucharistein" (v. 11) – "dar graças" –, ou a palavra "klasma" (v. 12) – fragmento –, têm uma clara conotação eucarística; a primeira encontra-se em Lucas e Paulo (cf. Lc 22, 19; 1Co 11, 23); a segunda, num texto muito antigo, a Didachè (finais do século I).

A liturgia da Missa deste domingo confirma este simbolismo ao propor como primeira leitura o episódio da multiplicação dos pães pelo profeta Eliseu. O que se sublinha é a abundância dos dons divinos, já que Eliseu pode dizer: «Dá-o às pessoas e que comam, porque assim diz o Senhor: 'Comei, pois sobrará'» (2Rs 4, 43). Mas, nesse caso, eram vinte pães para apenas cem homens. O milagre de Jesus é mais importante. O Salmo 145(144) convida a dar graças pelo alimento que o Senhor dá: fá-lo por um lado graças a um milagre, por outro, na Eucaristia, de modo que a história do passado abre também caminho à esperança do povo de que o Salmo se faz eco: «Os olhos de todos dirigem-se para Ti esperando: Tu dás-lhes o alimento no momento certo. Tu abres a tua mão e sacias de bom grado todo o vivente» (v. 15-16).

«Não só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que procede da boca de Deus» (Mt 4, 4; cf. Dt 8, 3). Jesus Cristo, a Palavra viva do Pai, alimenta-nos através da Palavra e dos sacramentos. Essa Palavra enche o nosso coração de paz e alegria, e, ao mesmo tempo, alimenta a nossa inteligência, porque o "Logos", a Palavra eterna de Deus, dá sentido à nossa vida. S. João convida-nos a crer em Jesus, que é ele mesmo alimento, como proclama o Discurso do Pão da Vida (cf. Jo 6, 26-59), um pão que dá a vida eterna (cf. Jo 6, 58). Esta é a esperança essencial do cristão, que a Carta aos Efésios apresenta num hino à unidade da Igreja, expondo sete manifestações de esta: «Um só Corpo e um só Espírito, como fostes chamados a uma só esperança: a da vossa vocação. Um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos: que está sobre todos, por todos e em todos» (Ef 4, 6). Com efeito, porque comem do mesmo Pão, os cristãos tornam-se Corpo de Cristo; na celebração da Eucaristia, o Povo de Deus transforma-se neste Corpo.

Pouco depois deste relato da multiplicação dos pães, João situa o episódio de Cristo caminhando sobre as águas (cf. Jo 6, 16-21). De facto, há milagres que foram realmente realizados, não meras parábolas, mas factos históricos, presenciados por testemunhas, e são o fundamento da fé dos que seguiram Jesus e da nossa fé. Ao mesmo tempo, para além dos milagres, estas evocações da água que de alguma maneira "ensina" e do pão que alimenta, assim como os murmúrios dos que se admiram perante os gestos e as palavras de Jesus (cf. Jo 6, 42), inscrevem-se na continuidade dos milagres de Moisés durante o Êxodo e das lamentações do povo hebreu (cf. Ex 16, 2.8): o maná no deserto, a passagem do Mar Vermelho.

A oração sobre as oferendas da Missa de hoje afirma que o pão e o vinho que acabam de ser apresentados ao Senhor são fruto da sua largueza, da sua generosidade. Na Eucaristia, Deus dá-se a si próprio, e pelo seu lado, permite-nos entregar-nos. A medida de este dom não é senão a que o amor dá: o amor traz consigo o dom de si mesmo, com um sentido de sacrifício alegre. Por isso Cristo retira-se, para não ser feito rei (cf. Jo 6, 15): a sua realeza é amor e serviço. «Com o Senhor, a única medida é amar sem medida»[1]. Por isso, podemos dizer da Virgem Maria que é a Mãe do amor formoso (cf. Sir 24, 24). Que tão boa Mãe nos ajude a descobrir como responder generosamente aos dons de Deus na nossa vida e a dar graças pelo dom da Eucaristia, manifestação do amor de Jesus pelo seu Pai e pela humanidade!


[1] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 232.

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