Tema 23. A Penitência e a Unção dos Enfermos

A Penitência é um sacramento específico de cura e de salvação. A forma concreta segundo a qual os ministros de Cristo e da Igreja exerceram o poder de perdoar os pecados variou consideravelmente, ainda que se mantenha uma estrutura fundamental que compreende dois elementos igualmente essenciais: os atos do homem que se converte sob a ação do Espírito Santo e a ação de Deus através do ministério da Igreja.

Sumário:


1. A Penitência

«Celebrar o sacramento da Reconciliação significa ser envolvidos num abraço caloroso: é o abraço da infinita misericórdia do Pai. Recordemos a formosa parábola do filho que saiu de sua casa com o dinheiro da herança; gastou todo o dinheiro e então, quando já não tinha nada, decidiu voltar, não como filho, mas como servo. Sentia muita culpa e vergonha no seu coração. A surpresa foi que, quando começou a falar, a pedir perdão, o pai não o deixou continuar, abraçou-o, beijou-o e fez uma festa. Mas eu digo-vos: de cada vez que nos confessamos, Deus abraça-nos, Deus faz festa»[1].

A graça e a nova vida em Cristo, recebidas por meio dos sacramentos da iniciação cristã (isto é, o Batismo, a Confirmação e a Eucaristia), tornam santos e imaculados os fiéis na presença de Deus (cf. Ef 1, 4). No entanto, a receção destes sacramentos não restaura totalmente a harmonia e o equilíbrio interior. De facto, as consequências do pecado original permanecem: a fragilidade e a debilidade da natureza humana e a inclinação para o pecado.

Regenerado pelo Batismo, iluminado pela palavra de Deus e fortalecido pelo poder salvador da Confirmação e da Eucaristia, o homem possui sem dúvida os meios para permanecer no amor de Deus e enfrentar a luta espiritual necessária para vencer as tentações do Maligno (cf. 2Pe 1, 3-11). No entanto, o fiel cristão continua a ser um “viajante”, um peregrino na terra, que caminha para a pátria do céu. A sua inteligência e a sua vontade não estão ainda fixas na Beleza, na Verdade, no Amor que é Deus. Por conseguinte, enquanto é viator, o cristão está chamado a “caminhar” livremente para Aquele que é a origem e o fim último da vida; terá que escolher continuamente entre a aceitação e a recusa da vontade paterna de Deus, que quer a sua salvação embora respeitando a liberdade com que o dotou. E, como consequência duma má escolha, pode certamente afastar-se do amor de Deus e cair no pecado.

Precisamente para perdoar os pecados cometidos depois do Batismo, o Senhor, médico das nossas almas e dos nossos corpos, instituiu um sacramento específico de cura e salvação: o sacramento da Penitência e da Reconciliação[2].

De acordo com a Tradição viva da Igreja e os ensinamentos do Magistério, Jesus instituiu o sacramento da penitência e da reconciliação principalmente quando, depois de ressuscitado, insuflou o Espírito nos seus Apóstolos, conferindo-lhes o seu próprio poder divino de perdoar os pecados: «Soprou sobre eles e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo; Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos”» (Jo 20-22-23)[3].

É um poder que se transmite aos bispos, sucessores dos Apóstolos, como pastores da Igreja e aos presbíteros, que são também sacerdotes da Nova Aliança, colaboradores dos bispos, em virtude do sacramento da Ordem. «Cristo quis que a Sua Igreja fosse, toda ela, na sua oração, na sua vida e na sua atividade, sinal e instrumento do perdão e da reconciliação que Ele nos adquiriu com o preço do seu sangue. Entretanto, confiou o exercício do poder de absolvição ao ministério apostólico[4].


2. A estrutura do sacramento da Penitência

Ao longo da história, a forma concreta segundo a qual os ministros de Cristo e da Igreja exerceram o poder de perdoar os pecados variou consideravelmente[5]. No entanto, «através das mudanças que a disciplina e a celebração deste sacramento experimentaram ao longo dos séculos, verifica-se uma mesma estrutura fundamental. Compreende dois elementos igualmente essenciais: por um lado, os atos do homem que se converte sob a ação do Espírito Santo, a saber, a contrição, a confissão dos pecados e a satisfação; e, por outro lado, a ação de Deus através do ministério da Igreja. Por meio do bispo e dos seus presbíteros, a Igreja, em nome de Jesus Cristo, concede o perdão dos pecados, determina a modalidade da satisfação, ora também pelo pecador e faz penitência com ele. Assim, o pecador é curado e restabelecido na comunhão eclesial»[6].

O primeiro elemento essencial do sacramento da Penitência está, pois, constituído pelos atos do penitente, ou seja, a contrição do coração, a confissão dos pecados e o cumprimento das obras penitenciais impostas pelo ministro de Cristo e da Igreja[7].

O segundo elemento estruturante deste sacramento corresponde à absolvição do ministro, cuja parte essencial são as palavras: «Eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo»[8]. São palavras performativas e eficazes, pois indicam o que verdadeiramente se realiza por meio da absolvição sacramental: o perdão e a reconciliação do pecador por parte do Deus Vivo, Pai, Filho e Espírito Santo. «Assim, por meio do sacramento da penitência, o Pai acolhe o filho que regressa a ele, Cristo toma sobre os seus ombros a ovelha perdida e condu-la novamente ao redil e o Espírito Santo volta a santificar o seu templo ou passa a habitar nele com maior plenitude»[9].

Convém considerar que, entre os dois elementos (os atos do penitente e a absolvição do ministro), há um estreito vínculo: o primeiro está ordenado ao segundo e os dois constituem conjuntamente uma unidade moral, que deve necessariamente subsistir para a efetiva constituição do sacramento. Dito doutra maneira: o sinal sacramental da penitência não pode de modo nenhum reduzir-se somente à absolvição do ministro, porque esta pode apenas ser ministrada se o penitente confessou previamente os seus pecados com coração contrito.

Uma premissa necessária para a reta e frutífera celebração do sacramento da conversão e reconciliação é o exame de consciência, que a pessoa deve fazer antes da confissão. Com efeito, ninguém se pode arrepender e acusar dos próprios pecados diante de Deus, se antes, iluminado pelo auxílio divino, não refletir sobre as suas culpas. Portanto, «convém preparar a receção deste sacramento através dum exame de consciência feito à luz da Palavra de Deus. Para isso, os textos mais adequados encontram-se no Decálogo e na catequese moral dos evangelhos e das cartas dos apóstolos: Sermão da montanha e ensinamentos apostólicos»[10].

Entre os atos do penitente, ocupa o primeiro lugar a contrição, que é «“uma dor da alma e uma detestação do pecado cometido com a resolução de não voltar a pecar”»[11]. A “contrição do coração” (cf. Sl 50, 19) implica um claro e firme ato da inteligência e da vontade do homem que, movido pela ajuda divina e pela fé, detesta os pecados cometidos enquanto o afastaram de Deus (dimensão teologal), de Cristo (dimensão cristológica), da Igreja (dimensão eclesial) e dos homens, seus irmãos. Para além deste aspeto, digamos que negativo, ou seja, de recusa ou detestação dos pecados, na contrição também há um aspeto positivo, que se traduz no desejo de voltar a Deus, com a esperança de obter o seu perdão e de permanecer no seu amor (cf. Is 55, 7-8; Ez 18, 21-23; Ez 33, 10-11; Jl 2, 12-13; Lc 5, 11-32).

A contrição pode ser “perfeita” ou “imperfeita”. «Quando procede do amor de Deus, amado sobre todas as coisas, a contrição chama-se “contrição perfeita” (contrição de caridade). Tal contrição perdoa as faltas veniais; obtém igualmente o perdão dos pecados mortais, se for unida à firme resolução de recorrer, logo que possível, à confissão sacramental»[12]. «A contrição chamada “imperfeita” (ou “atrição”) é também um dom de Deus, um impulso do Espírito Santo. Nasce da consideração da fealdade do pecado ou do temor da condenação eterna e das outras penas com que é ameaçado o pecador. Tal abalo de consciência pode dar início a uma mudança interior que será levada a bom termo sob a ação da graça, pela absolvição sacramental. No entanto, por si mesma, a contrição imperfeita não obtém o perdão dos pecados graves; apenas dispõe para o obter no sacramento da Penitência»[13].

A confissão dos pecados é a ação penitencial com que o cristão pecador manifesta ao sacerdote as culpas de que se considera responsável, com o fim de obter o perdão de Deus e de se abrir à plena comunhão com a Igreja Santa.

No decurso dos séculos, teólogos e pastores assinalaram frequentemente que a confissão dos pecados deve ser sincera, clara, concreta, contrita, humilde, discreta e decorosa (quer dizer, de acordo com as normas da prudência, da modéstia e da caridade), oral e íntegra ou formalmente completa.

A propósito da confissão íntegra, o Catecismo da Igreja Católica diz: «Na confissão, os penitentes devem enumerar os pecados mortais de que têm consciência depois de se terem examinado seriamente, mesmo que tais pecados sejam muito secretos e cometidos apenas contra os dois últimos preceitos do Decálogo (cf. Ez 20, 17; Mt 5, 28); porque, por vezes, estes pecados ferem mais gravemente a alma e são mais perigosos que os cometidos à vista de todos»[14].

A satisfação sacramental consiste na aceitação voluntária e no sucessivo cumprimento das obras penitenciais impostas pelo confessor. É sinal e manifestação do arrependimento interior e da autenticidade da conversão do cristão pecador e tem como objetivo remediar, com a ajuda da graça divina, as desordens que os pecados causaram, tanto no próprio pecador, como no ambiente familiar, social e eclesial em que vive. A absolvição tira o pecado, mas não remedeia todas as desordens que causou[15].

O ministro do sacramento da penitência e da reconciliação é o sacerdote (bispo ou presbítero) validamente ordenado e na posse da faculdade de exercer o poder de perdoar os pecados dos fiéis a quem concede a absolvição[16].

«Quando celebra o sacramento da Penitência, o sacerdote exerce o ministério do Bom Pastor que procura a ovelha perdida; do Bom Samaritano que cura as feridas; do Pai que espera o filho pródigo e o acolhe no seu regresso; do justo Juiz que não faz aceção de pessoas e cujo juízo é ao mesmo tempo justo e misericordioso. Numa palavra, o sacerdote é o sinal e instrumento do amor misericordioso de Deus com o pecador»[17].

Durante a celebração do sacramento da reconciliação, o ministro deve agir, pois como pai e bom pastor (mostrando e transmitindo aos penitentes o amor misericordioso do Pai do Céu: cf. Lc 15, 20-31; e seguindo o exemplo de Cristo, o Bom Pastor); como mestre da verdade (comunicando não o seu próprio pensamento, mas a doutrina de Cristo, Mestre que ensina a verdade e indica o caminho para Deus: cf. Mt 22, 16); como juiz benigno e eficaz do perdão (para isso deverá conhecer os pecados que pesam na consciência do penitente e formular um “juízo espiritual” sobre as suas disposições – fundamentalmente sobre o seu arrependimento e propósito de emendar a sua conduta desordenada – de modo a que possa conceder-lhe, com conhecimento de causa, sem arbitrariedade, a absolvição)[18].

Depois da celebração do sacramento, o ministro tem a obrigação absoluta de manter o segredo de tudo o que ouviu na confissão. «Dada a delicadeza e grandeza deste ministério e o respeito devido às pessoas, a Igreja declara que todo o sacerdote que ouve confissões está obrigado a guardar um segredo absoluto sobre os pecados que os seus penitentes confessaram, sob penas muito severas. Tão pouco pode fazer uso dos conhecimentos que a confissão lhe dá sobre a vida dos penitentes. Este segredo, que não admite exceção, chama-se “sigilo sacramental”, porque o que o penitente manifestou ao sacerdote fica “selado” pelo sacramento»[19].


3. Os efeitos do sacramento da Penitência

«Os efeitos do sacramento da Penitência são: a reconciliação com Deus e, portanto, o perdão dos pecados; a reconciliação com a Igreja; a recuperação do estado de graça, se se tinha perdido; a remissão da pena eterna merecida por causa dos pecados mortais e, pelo menos em parte, das penas temporais que são consequência do pecado; a paz e a serenidade de consciência e o consolo do espírito; o aumento da força espiritual para o combate cristão»[20]. Além disso, este sacramento conforma os penitentes de modo particular com Cristo, vencedor do pecado através da sua paixão redentora e da sua ressurreição gloriosa[21].

Por último, deve-se assinalar que durante a celebração do sacramento, os fiéis vivem de modo “místico”, mas real e efetivo, uma antecipação do juízo final de Cristo Senhor sobre os homens (cf. Mt 25, 31-46; Rm 14, 10-12; 2Co 5, 10)[22]. Pode dizer-se com verdade que quem recebe a absolvição sacramental já foi julgado e absolvido pelo Senhor: os seus pecados foram perdoados para sempre.

«Para os caídos depois do batismo, este sacramento da Penitência é tão necessário, como o próprio Batismo para os ainda não regenerados»[23].

O ato interior de arrependimento (a contrição do coração) leva o cristão a procurar o perdão de Deus e a plena comunhão com Cristo e com a Igreja. E Cristo determinou que isto se obtenha através do sacramento da reconciliação: dando aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados e vinculando o seu perdão ao que eles concedem (cf. Jo 20-22-23), Ele fez deste sacramento «a via ordinária para obter o perdão e a remissão dos pecados graves cometidos depois do Batismo»[24].

O cristão pecador que deseje a reconciliação com Deus deve, portanto, não só arrepender-se interiormente e reconhecer que tem necessidade do perdão divino, mas também deve aceitar os meios através dos quais a graça e o perdão de Deus chegam aos homens no tempo da Igreja. Para quem pecou gravemente depois do Batismo, não há duas vias distintas para conseguir o estado de graça, a da contrição do coração ou a do sacramento da Penitência, porque, de facto, as duas vias identificam-se. A verdadeira contrição inclui sempre o desejo de receber o sacramento do perdão. Um arrependimento dos pecados unido à recusa de os confessar seria incongruente, pois o próprio Deus quis que utilizemos esse meio.

Sobre este ponto, a autoridade da Igreja afirmou: «“Quem tiver consciência de se encontrar em pecado grave que não (...) comungue o Corpo do Senhor sem acudir primeiro à Confissão sacramental, a não ser que exista um motivo grave e não haja possibilidade de se confessar; e, neste caso, deve ter presente que está obrigado a fazer um ato de contrição perfeita, que inclui o propósito de se confessar quanto antes” (Código de Direito Canónico, can. 916). (…) De acordo com o mandamento da Igreja “todo o fiel chegado à idade do uso da razão deve confessar, ao menos uma vez por ano, os pecados graves de que tem consciência” (Código de Direito Canónico, can. 989)»[25].

«Sem ser estritamente necessária, a confissão dos pecados veniais, é, contudo, vivamente recomendada pela Igreja. Com efeito, a confissão regular dos nossos pecados veniais ajuda-nos a formar a consciência, a lutar contra as más inclinações, a deixarmo-nos curar por Cristo, a progredir na vida do Espírito»[26].

O uso frequente e cuidadoso deste sacramento é também muito útil em relação aos pecados veniais. Com efeito, não se trata duma mera repetição ritual nem dum certo exercício psicológico, mas dum constante empenho em aperfeiçoar a graça do Batismo, que de tal forma nos vai identificando continuamente com a morte de Cristo, que chegue também a manifestar-se em nós a vida de Jesus»[27].


4. A Unção dos Enfermos

A Unção dos Enfermos é um sacramento instituído por Jesus Cristo, insinuado como tal no Evangelho de S. Marcos (cf. Mc 6, 13), recomendado aos fiéis e promulgado pelo Apóstolo S. Tiago: «Está doente algum de vós? Chame os presbíteros da Igreja, para que orem sobre ele e o unjam com óleo em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o reanimará e, se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados» (Tg 5, 14-15). A Tradição viva da Igreja, refletida nos textos do Magistério eclesiástico, reconheceu neste rito, especialmente destinado a reconfortar os doentes e a purificá-los do pecado e suas sequelas, um dos sete sacramentos da Nova Lei[28].

Para ajudar as pessoas cuja vida está em perigo por causa duma doença grave e que desejem receber o auxílio deste sacramento, pode-se fazê-las considerar que «o homem, ao adoecer gravemente, necessita duma graça de Deus, para que, dominado pela angústia, não desfaleça no seu ânimo e, submetido à prova, não enfraqueça a sua fé. Por isso, Cristo robustece os seus fiéis doentes com o sacramento da unção, fortalecendo-os com uma firmíssima proteção»[29]. Mais precisamente: «Este sacramento confere ao doente a graça do Espírito Santo, com o qual o homem é ajudado na sua saúde, confortado pela confiança em Deus e robustecido contra as tentações do inimigo e a angústia da morte, de tal modo que possa não só suportar os seus males com fortaleza, mas também lutar contra eles e, inclusive, conseguir a saúde, se isso convém para a sua salvação espiritual; além disso, concede-lhe, se é necessário, o perdão dos pecados e a plenitude da penitência cristã»[30].


5. A estrutura do sinal sacramental e a celebração do sacramento

De acordo com o Ritual da Unção dos enfermos, a matéria apta do sacramento é o óleo de oliveira ou, em caso de necessidade, outro óleo vegetal[31]. Este azeite deve estar benzido pelo bispo ou por um presbítero que tenha essa faculdade[32].

A Unção confere-se ungindo o doente na testa e nas mãos[33]. A fórmula sacramental pela qual, no rito latino, se confere a Unção dos enfermos é a seguinte: «Por esta santa Unção, e pela sua bondosa misericórdia te ajude o Senhor com a graça do Espírito Santo. Amen. / Para que, livre dos teus pecados, te conceda a salvação e te conforte na tua doença. Amen»[34].

Como recorda o Catecismo da Igreja Católica, «é muito conveniente que (a Unção dos enfermos) se celebre dentro da Eucaristia, memorial da Páscoa do Senhor. Se as circunstâncias a tal convidarem, a celebração do sacramento pode ser precedida pelo sacramento da Penitência e seguida pelo da Eucaristia. Enquanto sacramento da Páscoa de Cristo, a Eucaristia deveria ser sempre o último sacramento da peregrinação terrena, o “Viático” da “passagem” para a vida eterna»[35].

O Ministro deste sacramento é unicamente o sacerdote (bispo ou presbítero)[36].

Sujeito da Unção dos enfermos é toda a pessoa batizada, que tenha alcançado o uso da razão e se encontre em perigo de morte por uma doença grave, ou por velhice acompanhada duma avançada debilidade senil[37]. Aos defuntos não se pode administrar a Unção dos enfermos.

Para receber os frutos deste sacramento, requer-se no sujeito a prévia reconciliação com Deus e com a Igreja, pelo menos com o desejo, inseparavelmente unido ao arrependimento dos próprios pecados e a intenção de os confessar, quando seja possível, no sacramento da Penitência. Por isso a Igreja prevê que, antes da Unção, se administre ao doente o sacramento da Penitência e da Reconciliação[38].

O sujeito deve ter a intenção, pelo menos habitual e implícita, de que não se tenha retratado, de receber este sacramento[39]. Dito por outras palavras: o doente deve ter a vontade de morrer como morrem os cristãos, e com os auxílios sobrenaturais que a estes se destinam.


6. Necessidade e efeitos da Unção

Ainda que a Unção dos enfermos possa administrar-se a quem perdeu já os sentidos, deve-se procurar que se receba com conhecimento, para que o doente possa dispor-se melhor a receber a graça do sacramento. Não se deve administrar àqueles que permanecem obstinadamente impenitentes em pecado mortal manifesto[40].

Se um doente que recebeu a Unção recupera a saúde, pode, em caso de nova doença grave, receber outra vez este sacramento; no decurso da mesma doença, o sacramento pode ser reiterado se a doença se agrava[41].

Por último, convém ter presente esta indicação da Igreja: «Na dúvida sobre se o doente alcançou o uso da razão, sofre duma doença grave ou já faleceu, administre-se este sacramento»[42].

A receção da Unção dos enfermos não é necessária com necessidade de meio para a salvação, mas não se deve prescindir voluntariamente deste sacramento, se for possível recebê-lo, porque seria recusar um auxílio de grande eficácia para a salvação. Privar um doente desta ajuda poderia constituir um pecado grave.

Convém que os fiéis tenham presente que no nosso tempo se tende a “ocultar” a doença e a morte. Nas clínicas e hospitais, os doentes graves morrem às vezes na solidão, ainda que se encontrem rodeados por outras pessoas e muito bem cuidados numa “unidade de cuidados intensivos”. Todos – em particular os cristãos que trabalham em ambientes hospitalares – devem fazer um esforço para que não faltem aos doentes internados os meios que dão consolo e aliviam o corpo e a alma que sofre e, entre estes meios – além do sacramento da Penitência e do Viático – encontra-se o sacramento da Unção dos enfermos.

Enquanto verdadeiro e próprio sacramento da Nova Lei, a Unção dos enfermos oferece ao fiel cristão a graça santificante; além disso, a graça sacramental específica da Unção dos enfermos tem como efeitos:

– A união mais íntima com Cristo na sua Paixão redentora, para seu bem e o de toda a Igreja[43];

– O reconforto, a paz e a coragem para vencer as dificuldades e sofrimentos próprios da doença grave ou da fragilidade da velhice[44];

– O perdão dos pecados, se o doente não pôde obtê-lo pelo sacramento da Penitência[45];

– O restabelecimento da saúde corporal, se for essa a vontade de Deus[46];

– A preparação para a passagem à vida eterna. Neste sentido, afirma o Catecismo da Igreja Católica: «Esta graça (própria da Unção dos enfermos) é um dom do Espírito Santo que renova a confiança e a fé em Deus, e dá força contra as tentações do Maligno, especialmente a tentação do desânimo e da angústia perante a morte (cf. Heb 2, 15)»[47].


Bibiografia básica

– Catecismo da Igreja Católica, n. 1499-1532.


Bibliografia complementar

– Ángel García Ibáñez, Conversione e riconciliazione. Trattato storico-teologico sulla penitenza postbatessimale, Edusc, Roma 2020 (trad. espanhola: Conversión y reconcilación, Tratado histórico-teológico sobre la penitencia postbautismal, Eunsa Pamplona, en prensa).

– Félix Maria Arocena, Penitencia y Unción de enfermos, Eunsa, Pamplona 2014.


[1] Francisco, Audiência geral, 19/02/2014.

[2] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1446.

[3] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 976; Concílio de Trento, sess. XIV, Doutrina sobre o sacramento da Penitência, cap. 1: DH 1670.

[4] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1442.

[5] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1447.

[6] Catecismo da Igreja Católica, n. 1448.

[7] Obviamente que se trata dos atos do penitente não enquanto atos puramente humanos (o perdão dos pecados não se obtém só com as próprias forças), mas enquanto realizados na fé em Cristo Redentor e sob a ação do Espírito Santo (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1448).

[8] Ritual da Penitência, Praenotanda, n. 19.

[9] Ibid., Praenotanda, n. 6, d.

[10] Catecismo da Igreja Católica, n. 1454.

[11] Catecismo da Igreja Católica, n. 1451. A citação que recolhe o Catecismo é do Concílio de Trento: DH 1676.

[12] Catecismo da Igreja Católica, n. 1452.

[13] Catecismo da Igreja Católica, n. 1453.

[14] Catecismo da Igreja Católica, n. 1456.

[15] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1459.

[16] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1459.

[17] Catecismo da Igreja Católica, n. 1465.

[18] No caso de encontrar pessoas que desejam aproximar-se de Deus, mas que ainda não podem receber a absolvição porque carecem das devidas disposições, procurará tratá-las com ompreensão e misericórdia, acompanhando-as pastoralmente, de modo a que se integrem na comunidade cristã nas diversas formas possíveis para eles. Mais concretamente, no caso dos divorciados casados de novo civilmente, ou de pessoas que convivem de modo irregular, far-lhes-á ver que, apesar da sua situação, «continuam a pertencer à Igreja, que os acompanha com especial atenção, com o desejo de que, dentro do possível, cultivem um estilo de vida cristã, através da participação na santa Missa, ainda que sem comungar, da escuta da Palavra de Deus, da adoração eucarística, da oração, da participação na vida comunitária, do diálogo com um sacerdote de confiança ou um diretor espiritual, da dedicação ao serviço da caridade, das obras de penitência, do empenho na educação dos filhos» (Bento XVI, Sacramentum caritatis, n. 29).

[19] Catecismo da Igreja Católica, n. 1467.

[20] Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n. 310.

[21] cf. Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, n. 7.

[22] O Catecismo da Igreja Católica exprime-o assim: «Neste sacramento, o pecador, remetendo-se ao juízo misericordioso de Deus, de certo modo antecipa o julgamento a que será submetido no fim desta vida terrena» (Catecismo da Igreja Católica, n. 1470).

[23] Concílio de Trento sess. XIV, Doutrina sobre o sacramento da Penitência,cap. 2: DH 1672.

[24] S. João Paulo II, Reconciliatio et Penitencia, n. 31, I.

[25] Catecismo da Igreja Católica, n. 1457.

[26] Catecismo da Igreja Católica, n. 1458.

[27] Ritual da Penitência, Praenotanda, n. 7, b.

[28] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1512.

[29] Ritual da Unção e da Pastoral dos enfermos, Praenotanda, n. 5.

[30] Ibid., Praenotanda, n. 6.

[31] cf. Ritual da Unção e da Pastoral dos enfermos, Praenotanda, n. 20.

[32] cf. Ibid., Praenotanda, n. 21.

[33] cf. Ibid., Praenotanda, n. 23. Em caso de necessidade, bastaria fazer apenas uma unção na testa ou noutra parte conveniente do corpo (cf. Ibid.). Nas Igrejas Orientais – por exemplo, na Igreja Bizantina, Copta e Armena – realizam-se sete unções (de modo idêntico a como se fazia na antiga liturgia romana), na testa, lábios, nariz, ouvidos, peito, mãos e pés do doente, para purificação dos pecados cometidos com a mente e com cada um dos sentidos; (cf. I.-H Dalmais, As Liturgias Orientais, Bilbau 1991, 127-128).

[34] Ibid., Praenotanda, n. 25. Esta fórmula distribui-se de modo a que a primeira parte se diz enquanto se unge a testa e a segunda enquanto se ungem as mãos. Em caso de necessidade, quando se pode fazer apenas uma unção, o ministro pronuncia simultaneamente a fórmula inteira (cf. Ibid., Praenotanda,n. 23). Na Igreja Oriental Bizantina, anteriormente citada, em cada unção pronuncia-se a fórmula: «Pai santo, médico das almas e dos corpos, que enviaste o teu Filho único Jesus Cristo, para curar todo o mal e libertar da morte, cura também o teu servo N. da sua debilidade, tanto corporal como espiritual, através da graça do teu Cristo» (I.-H Dalmais, As Liturgias Orientais, cit., 129).

[35] Catecismo da Igreja Católica, n. 1517.

[36] cf. Código de Direito Canónico, can. 1003, 1. Nem os diáconos nem os fiéis leigos podem administrar validamente a Unção dos enfermos (cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Nota sobre o ministro do sacramento da Unção dos enfermos, «Notitiae» (2005) 479).

[37] cf. Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, n. 73; Código de Direito Canónico, can. 1004-1007. Portanto, a Unção dos enfermos não é um sacramento para aqueles fiéis que simplesmente chegaram à chamada “terceira idade” (não é o sacramento dos reformados), nem é tão pouco um sacramento só para os moribundos. No caso duma operação cirúrgica, a Unção dos enfermos pode ser administrada, quando a doença que motiva a operação põe em perigo a vida do doente.

[38] cf. Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, n. 74.

[39] A este propósito, diz-se no Código de Direito Canónico: «Deve administrar-se este sacramento aos doentes que, estando em posse das suas faculdades, o tenham pedido, pelo menos de maneira implícita» (Código de Direito Canónico, can. 1006).

[40] cf. Código de Direito Canónico, can. 1007. Com respeito ao último ponto, deve distinguir-se entre o caso da pessoa não arrependida que quer obstinadamente permanecer em estado de pecado mortal externamente conhecido por todos e o do sujeito que se encontra numa situação gravemente contrária à Lei de Deus, não por estrita maldade, mas por ignorância ou porque está imerso numa cultura fortemente secularizada e a doença grave o apanhou de surpresa. No primeiro caso, não se deve administrar a Unção, pois seria vã para o pecador. No segundo, sim, sobretudo se o doente reage positivamente à exortação do sacerdote para que se abandone à misericórdia de Deus, se arrependa dos seus pecados e faça o propósito de emendar a sua vida no futuro. Em todo o caso, se o ministro tiver dúvidas sobre se o sujeito persiste efetivamente com obstinação numa situação de pecado grave publicamente conhecido, poderia administrar-lhe este sacramento sub conditione.

[41] cf. Código de Direito Canónico, can. 1004, 2.

[42] Código de Direito Canónico, can. 1005.

[43] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1521-1522 e 1532.

[44] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1520 e 1532.

[45] cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1532.

[46] cf. Concílio de Florença: DH 1325; Catecismo da Igreja Católica, n. 1520.

[47] Catecismo da Igreja Católica, n. 1520.

Ángel García Ibáñez