Os refugiados ucranianos “ensinaram-nos a sorrir, rezar, partilhar e a não se queixar” (vídeo)

O Pe. Tiago contou no Facebook a operação que levou a paróquia da Ericeira até à Polónia para ajudar refugiados da guerra. Queriam ajudar 50 pessoas e trouxeram 101 refugiados.

Queridos amigos,

«Para onde é que eu vou, não sou cobarde
Não vou deixar a vida para mais tarde.
Ponho-me a andar para encontrar Vida.
Se não sei onde vou, ando à deriva!»

(Música dos campos de férias dos Gambozinos)

Chegados a Portugal, depois de 8 dias de missão, há tanto para contar e tanto para agradecer! 

É comovente ver como Deus é o Senhor e o protagonista desta Missão de Resgate dos Refugiados Ucranianos. Jesus já nos resgatou e continua a resgatar hoje e sempre, por meio da Igreja. É tão evidente que esta missão não foi obra nossa, mas d'Ele!

Recordo como esta missão começou. A interpelação da guerra e o desejo de paz levou-nos ao jejum e à vigília de oração na Quarta-Feira de Cinzas, na paróquia da Ericeira e da Carvoeira. Logo no dia seguinte, veio a chamada do meu amigo Miguel Serra a pedir que rezasse por ele, porque iria partir numa missão de resgate de refugiados ucranianos.

O Pe. Tiago e outros paroquianos em Estrasburgo a caminho da Polónia

Fiquei com uma enorme vontade de partir também.

Depois veio a conversa com uma paroquiana ucraniana que pediu ajuda para trazer os seus familiares para Portugal. Aqui as chamadas foram literais, pois o meu contacto foi disponibilizado nas redes sociais da comunidade ucraniana em Portugal através de Facebook e WhatsApp, de tal forma que durante o fim de semana de 5-6 março recebi mais de 70 chamadas de números desconhecidos.

Percebi que eram chamadas de irmãos ucranianos, mas não as pude atender, pelo que apenas devolvi quase todas as chamadas no Domingo à noite, com a ajuda preciosa dos voluntários do FAROL.

Dessa ronda de chamadas, veio uma primeira lista de contactos e pedidos de transporte para Portugal.

Veio também a consciência da necessidade de uma resposta articulada e coordenada – obrigado à PAR e à associação We Help Ukraine – e a urgência da reação, perante o desespero de tantos e o perigo de tráfico humano, raptos e abusos. Foi o primeiro sinal.

Com a lista feita, veio a pergunta: «E agora, Senhor, que queres que eu faça?». Na oração, pedi um sinal. «Se o padre Miguel me falar da Polónia na meditação que está a pregar no retiro mensal, eu vou».

Bom, é verdade que não falou exatamente da Polónia… mas por três vezes falou do Papa João Paulo II e isso serviu-me de sinal. Foi o segundo sinal.

Estava disponível para partir, se tivesse autorização do nosso Patriarca. Ao telefone, recebi essa autorização, se eu achasse mesmo que deveria ir.

O padre Jacinto, a Teresa, a Ana e a Fátima (obrigado aos quatro!) garantiam o normal funcionamento diário das Paróquias. Já só faltava tudo o resto…

Vieram então as graças em catadupa em poucas horas. São tantas e tão extraordinárias que fico arrepiado enquanto escrevo.

A Liga dos Bombeiros Portugueses partiu rumo à fronteira da Ucrânia com a Polónia para levar bens, mantimentos e ambulâncias

A vice-presidente Aldevina manifestou o interesse da Câmara Municipal de Mafra em apoiar esta missão, disponibilizando talvez um autocarro na comitiva e na logística da Liga dos Bombeiros Portugueses, que iria partir na 5.ª feira rumo à fronteira da Ucrânia com a Polónia para levar bens, mantimentos e ambulâncias.

A Cityrama, a quem tanta gratidão devemos, com a intercessão do José António Lufinha, amigo da minha família (obrigado!), cedeu rapidamente duas carrinhas de 9 lugares.

A Diana e a Elisa foram chamadas desde o início, pela importância de serem mulheres e precisarmos de conquistar a confiança das mães e crianças que iríamos transportar; o Dirk aceitou o convite logo depois da Missa das 19h de 3.ª feira em Fonte Boa dos Nabos; o José Maria Monteiro aceitou na chamada ao telefone às 23h dessa 3.ª feira; o Manuel Silva apareceu caído do céu na 4.ª feira de manhã no quartel dos Bombeiros de Mafra, como resposta à nossa preocupação por encontrar voluntários que falassem polaco, ucraniano e percebessem de mecânica automóvel – era três em um!; o Carlos Trindade, coordenador da Proteção Civil do Concelho de Mafra, foi destacado nessa mesma reunião; a Teresa (minha irmã) e o Manel (meu cunhado) quiseram vir, mesmo sem saber bem ao que vinham; nesse dia, tivemos ainda a confirmação de duas pessoas fundamentais nesta missão, a Mayya e a Hanna, ucranianas a residir em Portugal já há muitos anos e tradutoras desde a primeira hora; finalmente, a surpresa final estava reservada para 5.ª feira de manhã, na hora da partida no quartel dos Bombeiros, com a doença de um voluntário e a disponibilidade surpreendente do Manel Magalhães, marido da Mayya.

Deus faz muitas surpresas e reservou-nos mais uma: em vez de 50, acabámos por trazer 101 refugiados, entre mulheres, crianças e idosos!

Com esta equipa de doze divididos em três carrinhas e cheios de entusiasmo, fizemo-nos à estrada no dia 10 março.

Três dias depois, chegámos à Polónia já com muito trabalho feito pelo caminho, entre a vigilante condução, manter o contacto com os refugiados para atualizar a lista de transporte e encontrar suporte logístico para toda a operação de resgate dos 50 refugiados.

Escolhemos o Papa São João Paulo II como nosso intercessor e ele logo nos ajudou por meio de quatro polacos preciosos: através do padre Piotr, do padre Mieszko, do Daniel e da Dorota, que nos permitiram encontrar um lugar de refúgio fundamental no ginásio da escola S. João Paulo II em Luczyce, nos arredores de Cracóvia.

Deus faz muitas surpresas e reservou-nos mais uma: em vez de 50, acabámos por trazer 101 refugiados, entre mulheres, crianças e idosos!

Com ajuda do Google Tradutor conseguimos falar mais facilmente uns com os outros.

E eles surpreenderam-nos porque nos ensinaram a confiar, a esperar, a deixar tanto para trás corajosamente para refazer a vida, a superar dificuldades, a não guardar ressentimento contra os agressores, a sorrir e até a brincar no meio da dor, a rezar, a partilhar, a não se queixar.

Nem uma vez ouvi queixumes ao longo do caminho, apesar de tantas tribulações. Recordo especialmente a pequena Vicka, de 7 anos, que a todos abraçava e que um dia recebeu um chocolate e foi a correr dar a outro menino.

A pequena Vicka, de 7 anos, que a todos abraçava e que um dia recebeu um chocolate e foi a correr dar a outro menino.

Recordo também a primeira Missa celebrada com os refugiados na escola de Luczyce, no Domingo de noite, com as crianças tão atentas e de joelhos ao pé do altar improvisado. Os refugiados ensinam-nos muito e a eles devemos enorme gratidão: Дякую!

No caminho de regresso, vieram mais tribulações e mais graças! Uma das nossas carrinhas teve um acidente, que não teve maior gravidade por milagre de Nossa Senhora da Boa Viagem.

Mais à frente, por precaução, a polícia alemã mandou parar o autocarro polaco em que seguiam outros do nosso grupo de refugiados – que entretanto tínhamos fretado para nos levar até França, onde teríamos o autocarro dos Bombeiros já reparado – e esperámos nove horas numa estação, enquanto este era reparado. Aí na estação aproveitámos a celebrar a Missa com alguns refugiados pedindo a мир – a paz – com as crianças a cantar e a levar uma vela acesa. Fomos acolhidos e passámos a noite de 3.ª para 4.ª feira numa escola sob o cuidado da Proteção Civil Alemã de Bühl, a quem agradecemos também: Vielen Dank!

Na 4.ª feira de tarde fomos recebidos pela comunidade portuguesa e francesa de Beaumont, em Clermont-Ferrand. Foi impressionante ver a alegria e a hospitalidade desta comunidade, preparada desde o dia anterior para a passagem dos refugiados. À Anna, ao Maire Jean-Paul Cuzin, ao padre Yesuraja e a tantos voluntários muito agradecemos também: merci beaucoup! Deixo-vos um vídeo desta surpresa e partilho convosco a vontade de lá voltar:

Finalmente, seguimos caminho e passámos uma noite difícil em Irún, dormitando no autocarro e nas carrinhas num parque de estacionamento.

Foi talvez o momento que faltava na nossa missão: experimentámos todos juntos com os refugiados aquela tribulação e cansaço e sentimo-nos todos assim refugiados carentes de abrigo seguro.

Nessas condições celebrei Missa às 6h da manhã, à chuva, num banco de jardim em Irún, na companhia de mais uma jovem mãe refugiada e de duas voluntárias. Deus estava ali como nosso abrigo: Deus é bom! Бог добрий!

Nessa manhã cedo, recebemos um fantástico pequeno-almoço gratuito, oferecido pelo café-bar do Enrique e pelos seus colaboradores. E à noite recebemos outro jantar gratuito do Hostal Los Chopos! Foi assim a Providência e a generosidade de tantos ao longo do caminho: muchas gracias!

Finalmente, seguindo com a coluna dos Bombeiros, liderados pelo Comandante João Pereira – a quem muito agradecemos, bem como a toda a equipa de várias corporações! – chegámos em segurança a Mafra pelas 3h30 da madrugada de 5.ª para 6.ª feira, já no dia 18 março.

Foram mais de 7.000 km percorridos com a proteção de Nossa Senhora da Boa Viagem, a quem tanto recorremos e rezámos o Terço ao longo do caminho! Obrigado, Mãe!

Depois de 7000kms. foi emocionante descobrir como a nossa missão – como as outras – foi resposta de Deus à oração de tantos e tantos.

Celebrámos a chegada com a Eucaristia – Ação de Graças – no Quartel dos Bombeiros às 5h da manhã com muitos bombeiros. Foi emocionante descobrir como a nossa missão – como as outras – foi resposta de Deus à oração de tantos e tantos. A Missa é alimento a missão!

Depois de umas horas de sono, na manhã de 6.ª feira, as equipas dos serviços de Ação Social da Câmara Municipal de Mafra, com ajuda da Santa Casa da Misericórdia de Mafra e Venda do Pinheiro trataram da parte legal e asseguraram o transporte de todos os refugiados até casas de familiares. Foi um grande trabalho conjunto: Obrigado à Câmara de Mafra e especialmente à querida vice-presidente Aldevina!

Agora a missão não acaba aqui. Muito há por fazer lá na Ucrânia e na Polónia e cá, para que a paz vença e para que os refugiados ucranianos possam ser acolhidos, enquanto for preciso, aqui em Portugal, na Ericeira e na Carvoeira, com toda a hospitalidade cristã.

Esta é uma Quaresma diferente, em que todos somos chamados à conversão de coração e a um renovado empenho pela paz, à luz da Páscoa da Ressurreição de Jesus. Estes irmãos ucranianos precisam de nós e Deus conta a nossa disponibilidade e faz o resto!

O Carlos dizia muitas vezes “não há heróis”. De facto, como no Evangelho, reconhecemos que «somos servos inúteis: apenas fizemos o que devíamos fazer» (cf. Lc 17, 10). Tudo isto foi obra de Deus.

Assim termino com o hino da nossa missão (e se quiserem podem procurar a tradução no Google Tradutor!):

Bog Dobbryy
Slava yomu
My hochemo myru
Dobroho ranku
Prymyrennya
Usi razom
Usi razom
Vstavay idea

Дякую!

A gratidão transborda do coração e chega a todos aqueles que nos apoiaram nesta missão e também àqueles que não deixaram que o seu nome fosse aqui referido!

Padre Tiago

Ericeira, 20 março 2022


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Fonte: Paróquia da Ericeira (Facebook)