O Sonho de Alexey

Conheceu a fé cristã lendo nas entrelinhas uma revista ateia na Rússia comunista. Agora é diácono, tem 33 anos e em Julho será ordenado sacerdote. O entusiasmo de Alexey Yandushev-Rumiantsev é ajudar o seu país como sacerdote católico.

Alexey Yandushev-Rumiantsev, diácono da Igreja católica russa.

Fala cinco idiomas. Licenciou-se em Engenharia e em Teologia na Universidade de São Petersburgo e em filosofia no Liechtenstein. Além disso, quer aprender português porque é a língua que se fala em Fátima. E ele, quando for sacerdote, pensa levar a sua gente a visitar esse Santuário da Virgem tão unido à história recente da Rússia.

Alexey Yandushev-Rumiantsev é, de momento, diácono da Igreja católica russa. Em Junho de 2007 receberá a ordenação sacerdotal e depois vai procurar realizar o seu sonho: ser pároco no seu país.

Além disso, quer aprender português porque é a língua que se fala em Fátima.

Nasceu em São Petersburgo quando esta cidade se chamava Leninegrado, há 33 anos, numa família ortodoxa. Os seus pais não lhe deram uma educação religiosa, mas aos 15 anos...

Como descobriste a tua vocação de cristão e depois de sacerdote?

É uma longa história. A minha família é ortodoxa, mas não é muito praticante. Quando nasci, em 1973, o meu pai tinha começado a trabalhar numa cadeia de supermercados e temia que, dada a situação do meu país naquela altura, o meu baptismo pudesse prejudicar toda a família. Arriscava-se o posto de trabalho. Quem pedisse para ser baptizado, devia entregar o passaporte e a seguir essa informação era transmitida às autoridades políticas e aos serviços secretos. Portanto, preferiram não me baptizar.

Naquela altura na sua família não se praticava a fé.

Bom, os meus pais acreditavam em Deus, mas não fizeram nada de especial para que eu recebesse formação religiosa. Eles mantinham algumas tradições: iam à igreja algumas vezes ao ano e conservavam algumas imagens religiosas em casa e nada mais. 

Como descobriste a religião?

'Quem pedisse para ser baptizado devia entregar o passaporte e a seguir, essa informação era transmitida às autoridades políticas e aos serviços secretos'.

Por mim próprio. Aos 12 anos comecei a interessar-me pela fé. Acreditava em Alguém – não em algo – a quem dirigir-se. Um dia chegou-me às mãos uma revista intitulada ”Ciência e Religião”, publicada pela a Sociedade Ateia da União Soviética. Tratava-se de uma publicação que ninguém lia, mas que tratava um tema que me interessava muitíssimo. Intuí que aquela era a única via que tinha para saber algo mais sobre religião. Assinei-a e durante cinco anos tive que ler “nas entrelinhas” o que se contava naquela revista.

Em que consistia a propaganda ateia?

Fundamentalmente, existia um ataque contínuo à religião nos grandes meios de informação. Tratava-se de fazer crer que as Igrejas procuravam perpetuar uma mitologia antiga, sem fundamento científico, com o fim de controlar a mente das pessoas e obter o seu dinheiro.

Que significa ler “nas entrelinhas” naquela publicação ateia?

A mim interessava-me a religião, não as teses dessa revista. Por isso, pese embora os artigos defendessem o ateísmo, na realidade citavam as Escrituras e falavam da Igreja e de Jesus Cristo. E eu, como não tinha acesso a outras fontes, aquilo já me dava jeito. Comecei a pensar que se se falava muito mal de algo ou de alguém, talvez isso ou essa pessoa não fosse assim tão má na realidade. Isto pude comprová-lo de novo com o Opus Dei. Li fortes críticas num livro, onde também se criticava a Ordem de Malta. Dizia que era uma organização perigosa, descrevia-se a sua fundação e, inclusivamente, dava-se o endereço da sede onde vivia o seu “líder”. Então, decidi escrever-lhe para obter mais informação. Mas isto aconteceu mais tarde quando já era católico.

Reconheço que era um adolescente com muito espírito crítico

'Comecei a pensar que se se falava muito mal de algo ou de alguém, talvez isso ou essa pessoa não fosse assim tão má na realidade'.

Olhando agora para trás, reconheço que era o Senhor que me guiava nesse percurso. Sabia que não podia falar destas questões e, portanto, não comentava isso com ninguém, mas o meu interesse era cada vez maior. Quando fiz 15 anos disse ao meu pai que me queria baptizar na Igreja Ortodoxa. Ele não se opôs e inclusivamente procurou um amigo seu, sacerdote ortodoxo que trabalhava como mecânico em Leninegrado, para que me baptizasse em segredo.

Como chegou à Igreja católica?

Já que se falava tão mal dela, quis conhecê-la. Na lista telefónica encontrei a direcção da comunidade católica de São Petersburgo, mas a igreja estava sempre fechada. Após várias tentativas, consegui encontrar a comunidade, mas o sacerdote suspeitou de mim. Pensava que podia ser um jovem espião do KGB. Certamente, naqueles anos havia espiões. Mas depois de me ver frequentar a igreja, marcámos uma entrevista para falar: combinámos que a seguir à Missa, o seguiria pelas ruas até uma zona muito afastada da paróquia, onde poderíamos falar com calma. Estávamos em 1989  e atravessávamos uma situação política muito incerta. Ainda assim, após uma etapa de formação, pedi para entrar em comunhão plena com a Igreja católica.

Mas porquê a Igreja católica?

"Na Rússia temos verdadeira necessidade de conhecer o Evangelho do trabalho, de conhecer Deus na vida corrente, através das coisas bem feitas".

Sempre me tinham falado de Igrejas, no plural. E eu perguntava-me qual seria a verdadeira. Procurando no Evangelho, descobri que Jesus tinha fundado uma só Igreja, e, além disso, tinha rezado pela sua unidade. Também descobri que o próprio Cristo tinha posto São Pedro à frente dessa única Igreja. Se o Papa é o sucessor de Pedro, o resto explica-se por si mesmo.

Que caminho seguiste depois?

Quando acabei a escola, inscrevi-me na Universidade. Licenciei-me em Engenharia e, a seguir, iniciei os meus estudos de História da Igreja e Filosofia no Colégio Católico de São Tomás de Aquino. Por fim, estava a desfrutar de uma formação continua. Foi naquela época que entrei em contacto com o Opus Dei, assombrado com a campanha hostil que estava a sofrer essa instituição.

Com que impressões ficaste?

'Após a queda do muro são muitos os que se mostram realmente interessados pelas “coisas de Deus'.

Muito boas. Conheci pessoas que não fazem “propaganda”, mas que transmitem de forma simples e profunda o sentido da vida cristã. Na Rússia temos verdadeira necessidade de conhecer o Evangelho do trabalho, de conhecer Deus na vida corrente, através das coisas bem feitas. Estou seguro de que a Obra poderá fazer muito bem entre a minha gente. Atrai-me muito a ideia da formação contínua. Necessitamos muito dela.

Como decidiste ir para seminário?

Apesar de não ter falado com ninguém, era una ideia que me dava voltas à cabeça desde há muito. Pensava que não seria capaz, que não reunia as condições para una dedicação tão comprometedora. Tinha já terminado os meus estudos e tinha, inclusivamente, estado um ano no estrangeiro – a estudar fenomenologia filosófica no Liechtenstein – e já trabalhava. Mas um dia, de passagem, um padre perguntou-me: “Tu queres ser sacerdote?”. Disse-lhe de imediato que não, mas logo naquela noite não preguei olho. Voltei a falar com esse sacerdote, abri-lhe o coração e disse-lhe que na realidade tinha pensado nisso, mas que não me sentia nem digno nem com forças para o conseguir. Ele explicou-me que a força a dá Deus e então, no final daquele ano de 2000, entrei para o seminário. No ano que vem se Deus quiser, serei sacerdote.

Actualmente, qual é a situação religiosa na Rússia?

Após a queda do comunismo em 1989 assistimos a uma verdadeira primavera espiritual. Hoje em dia, esse fenómeno adquiriu as suas verdadeiras dimensões: quer dizer, ficaram só aqueles que verdadeiramente estavam convencidos, fora das emoções passageiras dos primeiros momentos. Contudo, devo reconhecer que são muitos os que se mostram realmente interessados pelas “coisas de Deus”.

"Um dia, de passagem, um padre perguntou-me: “Queres ser sacerdote?”. Disse-lhe de imediato que não, mas logo nessa noite não preguei olho".

E a relação entre ortodoxos e católicos?

Depende muito das pessoas e dos lugares. Em São Petersburgo, por exemplo, há uma grande tradição de tolerância e vontade de diálogo, que talvez não haja noutras cidades. Neste último ano, a comunicação melhorou o que nos dá grandes esperanças.

Existem preconceitos contra os católicos?

Existem sobretudo mitos, estereótipos. Por exemplo, O Código Da Vinci não levantou dúvidas em torno do Evangelho, mas antes suspeitas sobre a Igreja católica. Mas, basta falar com paciência e muitos malentendidos desaparecem.

Qual é o teu sonho imediato?

Ser sacerdote católico ao serviço da Rússia.