Luis Gutiérrez Rojas: «Quando a amizade é desinteressada, enche o coração de satisfação»

Luis Gutiérrez Rojas participou no XI Simpósio sobre S. Josemaria, que decorreu em Jaén nos dias 17 e 18 de novembro passados. Na sua comunicação, “A amizade na cultura atual”, descreveu as dificuldades e as oportunidades que hoje temos para fazer amigos.

Luis Gutiérrez Rojas no XI Simpósio S. Josemaria
Luis Gutiérrez Rojas no XI Simpósio sobre S. Josemaria

Luis Gutiérrez Rojas é licenciado em Medicina e Cirurgia pela Universidade de Navarra e atualmente, psiquiatra e professor. Há vários anos que faz conferências sobre como abordar a vida de um ponto de vista otimista e motivador. É também pai de sete filhos. Em março de 2021 publicou o seu primeiro livro “La belleza de vivir”, que vai já na oitava edição. Em fevereiro deste ano publicou o seu segundo livro, “Vivir más libre”, que já vai na sua segunda edição.

Vivemos numa sociedade que exalta o individualismo. É um fator que dificulta estabelecer amizades?

Sim, pode dizer-se que é um dos problemas do nosso tempo. Nunca foi tão fácil ter "amigos". Através da Internet e das redes sociais, é muito fácil conhecer milhares de pessoas e que nos deem um like, ou que as nossas mensagens cheguem a todo o planeta. Mas isso não é uma verdadeira amizade; não vamos ter milhares de amigos, porque a amizade precisa de tempo, dedicação, bilateralidade; eu abro o meu coração, a minha intimidade e a outra pessoa também os abre; implica sacrifício e poder estar com a outra pessoa para cultivar essa amizade.

Esse individualismo de fazer o que nos apetece, enche-nos de "eu", e isso faz com que os amigos não encaixem. Leva-nos à falta de amizade e também à falta de autoconhecimento. Um dos grandes frutos da amizade é que os nossos amigos fazem com que nos conheçamos muito melhor do que nos conhecemos por nós mesmos.

Para podermos sair dessa espécie de encruzilhada que estamos a fazer à volta do nosso umbigo precisamos de uma pessoa que nos conheça, que nos diga que nos estima; mas também que corrija o que temos de melhorar. Esta consequência da amizade, o sair de nós mesmos, enche o coração de generosidade.


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Os traumas e as doenças mentais parecem estar a aumentar. Que dificuldades colocam à amizade? A amizade é uma boa terapia?

Sim, é. Quando uma pessoa passa por este tipo de situações, tem tendência a pensar que o que lhe está a acontecer, a sua tristeza, as suas angústias, a sua dependência, os seus comportamentos impulsivos, a sua visão pessimista, o seu ressentimento, só lhe acontece a ela. Vivendo encerrada no seu "eu", nem se compreende, nem sabe o que fazer para sair dessa situação. Pensa, erradamente, que é a pessoa que mais sofre neste mundo, que aos outros não acontece o mesmo.

Podemos aprender muito através da literatura e da arte, mas também através da amizade, porque o que vemos nos outros é exatamente o que nos acontece a nós. Por exemplo, eu, como pai, consigo compreender muito melhor os problemas que tenho com os meus filhos quando escuto um amigo que me conta os problemas que tem com os dele.

Aí aprende-se imenso. Por isso, uma terapia preventiva para que possamos superar as muitas dificuldades da vida é a amizade daquele amigo que escuta; não tanto que dá conselhos, mas que ouve, atende, compreende, alivia aquele peso do sofrimento, como os costaleros da Semana Santa, que vão todos juntos, todos por igual, carregando o andor, fazendo com que o peso da Cruz custe menos a levar.

Diz-se que as redes sociais aproximam e distanciam as pessoas. Que há de real nestas perceções? Como tirar partido das suas vantagens e evitar os seus inconvenientes?

Comecemos pelas vantagens. É muito mais fácil chegar a inúmeras pessoas. Se sou conferencista, empresário, pessoa que quer ser influente, as redes sociais são uma ferramenta perfeita, pois permitem que pessoas que, de outra forma, não poderiam conhecer-nos, saibam qual é a nossa visão do tema. Consequentemente, pode-se fazer muito bem, mas também se pode fazer muito mal.

Um inconveniente, pensando nos jovens, mas também nos adultos, é convencermo-nos que a nossa autoestima depende do like, depende do que os outros nos dizem; é como que pôr a nossa felicidade em mãos alheias.

Vemos jovens que vivem amargurados, porque não conseguem o impacto que pretendem nas redes sociais, ou talvez porque estão fartos de ver um mundo maravilhoso de pessoas que se amam, quando as suas vidas estão cheias de sofrimento com que não sabem lidar.

Talvez seja este o perigo das redes sociais: poderem substituir a verdadeira amizade. Penso que o contacto presencial com as pessoas com quem nos encontramos para nos sentirmos bem não é nem nunca será superado pela tecnologia.


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A solidão emerge como um dos grandes problemas das sociedades contemporâneas. Que papel poderá desempenhar a amizade para o resolver? Que acrescenta a amizade à mera solidariedade?

Talvez este seja um dos frutos amargos da desestruturação familiar ou das políticas anti natalistas. A falta de natalidade pode levar a ter famílias pequenas, onde as pessoas se sintam muito sós.

A amizade pode ser o remédio para solucionar esta crise. Quando falo com pessoas que se sentem sozinhas, penso que há muitíssima gente que está na mesma situação e que poderiam entrar em contacto uns com os outros.

Para a diferenciar da solidariedade, em que eu posso fazer algo por alguém que está a passar mal, a verdadeira amizade implica abrir o coração, não é uma ajuda que eu dou, mas uma relação bilateral, em que a outra pessoa me dá e eu lhe dou, em que ambos partilhamos.

Devíamos ser criativos e ver como fazer para que as pessoas que se sentem sós entrem em contacto com muitas outras que se encontram na mesma situação. Não para receber, mas sim para exercer a generosidade.

Quando se dá muito, recebe-se muito mais do que se dá. Esta é uma ideia muito cristã e muito verdadeira. Reparemos que as pessoas que estão sozinhas esperam sempre quem as console, quando deveriam abrir o seu coração e, assim, descobririam a quem consolar.

S. Josemaria animava os pais a serem amigos dos filhos; contudo, há quem afirme que precisamos de recuperar o sentido da autoridade paterna. Como se pode entender a amizade neste contexto familiar?

Penso que o dizia no sentido de não se verem os pais como seres distantes, autoritários, que estão todos os dias a criticar as coisas que fazemos mal, aos quais é difícil aceder.

Segundo a idade, a amizade com os nossos filhos não será plena, porque os meus filhos não têm maturidade suficiente para eu lhes contar certas intimidades que decerto os bloqueariam. Será uma amizade verdadeira quando crescerem; mas quando são mais novos, fomentar a amizade com eles significa que nos vejam como pessoas próximas, que se interessam pelas suas coisas.

Se formos capazes de construir essas pontes, quando chegar a adolescência, que é um período de mudança, haverá canais de comunicação e, quando a adolescência passar, a comunicação será restabelecida de uma forma saudável, estável, adequada e madura. Assim, os nossos filhos, quando chegarem à idade adulta, e mais ainda quando nós, os pais, chegarmos à velhice, serão o nosso melhor apoio, os nossos melhores amigos, aos quais poderemos recorrer nos momentos de dificuldade, e poderemos ajudá-los, porque teremos passado pelo que eles estão a passar. Creio que uma família unida, grande, é o lugar onde se aprende a verdadeira amizade.

S. Josemaria descobriu nos Evangelhos que o modo de fazer discípulos de Jesus é a amizade. Será que a amizade humana precisa de ser complementada com o sentido cristão das relações com os outros?

Claro que sim. Um dos livros que recolhe homilias de S. Josemaria intitula-se “Amigos de Deus”, um título sugestivo. Temos de ser amigos de Deus e, além disso, Deus quer ser nosso amigo. É algo surpreendente que um Deus omnipotente queira ser nosso amigo. Isto só se compreende no contexto de uma relação de amor e de confiança.

Podemos dizer que ser cristão é descobrir Cristo e querer ser amigo de Cristo. Neste sentido, a amizade, quando é cristã, não instrumentaliza, não é como aquela frase típica do capitalismo que é o win-win, tu ganhas e eu ganho.

A verdadeira amizade é desinteressada, procura o bem do outro, alegra-se com o bem do outro. Quando tentamos crescer em amizade à maneira cristã, procuramos que o amigo se torne melhor, que alcance os seus objetivos. Quando a amizade é assim, enche o coração de satisfação, e é maravilhoso ver como os nossos amigos se alegram com os nossos êxitos, quase mais do que nós próprios. A visão cristã da amizade alcança uma dimensão mais profunda do ponto de vista antropológico.