A primeira viagem de Múzquiz a Portugal foi há 80 anos

O engenheiro José Luis Múzquiz, primeiro membro do Opus Dei a visitar Portugal, fez uma viagem por terras lusitanas em março de 1941 numa altura em que se temia a provável ocupação alemã de toda a Península Ibérica.

O engenheiro José Luis Múzquiz fez uma viagem por terras lusitanas numa altura em que se temia a provável ocupação alemã de toda a Península Ibérica.

Em dezembro de 1940, o Alto Estado-Maior de Espanha preparou um plano secreto sobre uma possível invasão de Portugal com a intenção de impedir os britânicos de dispor de uma base de operações em território lusitano.

A viagem de Múzquiz nada tinha que ver com esse plano secreto. Quando o engenheiro espanhol era Vogal do secretariado de aspirantes da Junta Central da Ação Católica, tinha conhecido por ocasião de uma reunião realizada em Espanha o seu homólogo português, Fernando Abecans, Vogal de aspirantes da Junta Central da Juventude Escolar Católica. Tinha também travado conhecimento com Carlos Krus Abecasis e Gastão Furtado Pereira dos Reis, presidente e secretário da Juventude Universitária Católica.

Igreja de Santa Cruz (Coimbra) protegida contra potenciais bombardeamentos (1940)

Abecans, Abecasis e Pereira dos Reis facultaram contactos e diligências a Múzquiz numa viagem profissional a Portugal realizada em março de 1941. O motivo principal da viagem consistia em fomentar as relações do CSIC [Consejo Superior de Investigaciones Científicas] com instituições lusitanas de investigação, especialmente com o Instituto para a Alta Cultura.

Como membro do Patronato Juan de la Cierva do CSIC, Múzquiz era portador de uma carta de apresentação em que expunha o interesse por estudar a organização da investigação portuguesa no campo técnico e por relacionar-se com o Instituto para a Alta Cultura, fundado em 1936, que, além da investigação científica, se ocupava das relações culturais. Como funcionário da Companhia de Caminhos de Ferro do Norte de Espanha, Múzquiz levava uma carta de apresentação dirigida ao diretor-geral da Companhia de Caminhos de Ferro portuguesa.

Como funcionário da Companhia de Caminhos de Ferro do Norte de Espanha, Múzquiz levava uma carta de apresentação dirigida ao diretor-geral da Companhia de Caminhos de Ferro portuguesa

Antes de sair de Madrid, Escrivá deu-lhe a bênção de viagem, e recordou-lhe que devia ter presente o apostolado nesta “saída para o estrangeiro”. A saída de Múzquiz para fora de Espanha causou alegria entre os que viviam em Valência. O redator do diário de Samaniego escreveu assim: “ José Luis parte no próximo domingo para Portugal (a primeira expansão da Obra pelo estrangeiro)”.

Antes de sair de Madrid, Escrivá deu-lhe a bênção de viagem, e recordou-lhe que devia ter presente o apostolado nesta “saída para o estrangeiro”.

A 6 de março de 1941, Múzquiz chegou à capital portuguesa. Abecasis, que estava a acabar o curso de Engenharia, entregou-lhe cartas de apresentação e preparou-lhe uma série de entrevistas. Pereira dos Reis, redator de uma revista médica, convidou-o a almoçar em sua casa, e acompanhou-o ao encontro com o Professor Celestino da Costa, secretário do Instituto para a Alta Cultura.

Passados quatro dias em Lisboa, em 10 de março Múzquiz passou o dia em Coimbra, sede da Universidade mais antiga de Portugal. Teve uma entrevista com o Reitor da Universidade, António Luís de Morais Sarmento, que se comprometeu a facilitar a presença de um grupo de espanhóis num curso de verão para estrangeiros. Teve ainda um encontro com o vice-reitor, Maximino Correia. Visitou o novo edifício da Faculdade de Letras e os laboratórios de Química e Botânica. Da passagem pela Universidade de Coimbra, Múzquiz ficou agradavelmente impressionado com os professores e estudantes que lhe apresentaram. Visitou também o Centro Académico de Democracia Cristã, onde iniciou uma amizade incipiente com José Sebastião da Silva Dias, com quem viria a manter correspondência pessoal.

Da passagem pela Universidade de Coimbra, Múzquiz ficou agradavelmente impressionado com os professores e estudantes que lhe apresentaram

Em 11 de março, o engenheiro espanhol chegou ao Porto, cidade em que passou três dias. O seu amigo Mário Roseira, licenciado em Direito, que tinha conhecido numa peregrinação a Saragoça, ao Pilar, convidou-o para almoçar e dedicou-lhe um escrito breve de sua autoria. Visitou o diretor da Escola de Engenharia e o Laboratório de Resistência de Materiais. Por último, viu obras de pontes e estações de caminho de ferro.

Do Porto, regressou a Lisboa, onde passou os dias 13 e 14 de março. Visitou os laboratórios de Geologia, Física, Química e Eletricidade. Dedicou umas horas a ver oficinas, obras e instalações de caminhos de ferro. Voltou a conversar com Pereira dos Reis, entusiasmado com a leitura de Caminho, que lhe facultou uma lista de professores de Medicina.

Fotografia da Universidade de Coimbra em 1941, data da visita de Múzquiz

Múzquiz passou, portanto, na capital de Portugal, seis dos nove dias da sua estada. Nesse período, estabeleceu contactos com meia centena de professores e estudantes universitários das três principais cidades do país, e pôs em contacto professores e investigadores portugueses com colegas espanhóis.

De regresso a Madrid, como membro do Patronato Juan de la Cierva e colaborador da Revista de Obras Públicas de Madrid apresentou ao CSIC uma análise pormenorizada de onze páginas dactilografadas, intitulado “Relatório sobre a investigação científica e o ensino superior e técnico em Portugal”. Foi publicado um resumo desse relatório na memória anual do CSIC, em que foram destacados três sucessos: os acordos de intercâmbio e colaboração com a Universidade de Coimbra, com a Escola de Engenharia do Porto e com a Sociedade de Geografia de Lisboa.

Foram destacados três sucessos: os acordos de intercâmbio e colaboração com a Universidade de Coimbra, com a Escola de Engenharia do Porto e com a Sociedade de Geografia de Lisboa.

Esta viagem, que tinha por objetivo fortalecer as relações científicas do CSIC com organismos culturais e universidades de Portugal, tornou possível – sem solução de continuidade–dar saída ao desejo de Escrivá de aproveitar essas diligências profissionais para estudar as possibilidades de iniciar o trabalho apostólico em Portugal, que por fim começou uns meses depois de terminar a Segunda Guerra Mundial.

Em Roma, Alvaro del Portillo, Jose Luis Múzquiz, o Cardeal Cerejeira e S. Josemaria (da esq. para a direita). D. Jose Luis Múzquiz recebeu a ordenação sacerdotal em 1944.

Noutra ordem de ideias, pela mesma altura, os governos peninsulares assinaram um acordo, mediante o qual Portugal concedeu um crédito a Espanha para importação de produtos coloniais. Assim, pois, o Acordo Hispano-Português de 2 de julho de 1941 abria esperanças a uma melhoria de relações entre os dois Estados da Península Ibérica.


Ver fotografias de D. Jose Luis Múzquiz

Fotografias deste artigo: Creative Commons

* Excerto da obra Expansión, de Onésimo Díaz (págs. 125-129), Ed. Rialp, Madrid, novembro de 2020, que publicamos com autorização expressa e quepode ser adquirida neste site. No original, todas as afirmações do autor são sustentadas em documentos devidamente registados em notas de rodapé.