28 de setembro: homilia de D. Javier Echevarría

Homilia de D. Javier Echevarría na Missa de ação de graças pela beatificação de Álvaro del Portillo.

“O meu preceito é este: Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”: ut diligátis ínvicem, sicut diléxi vos” (Jo 15, 12).

Queridos irmãos e irmãs, estas palavras do Evangelho ressoam hoje na minha alma com uma alegria nova, ao considerar que a multidão ontem presente neste local, muito em comunhão com o Papa Francisco e com todos os que nos acompanhavam nos quatro pontos cardeais, não era propriamente uma multidão mas uma reunião familiar, unida pelo amor a Deus e pelo amor mútuo. Este mesmo amor também se torna hoje mais forte na Eucaristia, nesta Missa de ação de graças pela beatificação do queridíssimo D. Álvaro, Bispo, Prelado do Opus Dei.

1. O Senhor, ao instituir a Eucaristia, deu graças a Deus Pai pela sua bondade eterna, pela criação saída das Suas mãos, pelo Seu misterioso desígnio de salvação. Agradecemos esse amor infinito manifestado na Cruz e antecipado no Cenáculo. E perguntamos ao Senhor: como temos de proceder para amar como Tu nos amaste? Para amar como amaste Pedro e João, cada um de nós e também São Josemaria e o Beato Álvaro.

Olhando para a vida santa de D. Álvaro, descobrimos a mão de Deus, a graça do Espírito Santo, o dom de um amor que nos transforma. E incorporamos na nossa alma essa oração de S. Josemaria que tantas vezes repetiu o novo Beato: “Dá-me, Senhor, o Amor com que queres que te ame [1]”, e assim saberei amar os outros com o teu Amor e com o meu pobre esforço. Os outros descobrirão no meu viver a bondade de Deus, como sucedeu no caminhar diário de D. Álvaro; já neste Madrid tão querido, transparecia a misericórdia divina com a sua solidariedade com os mais pobres e abandonados. Enche-nos de alegria que na segunda leitura se nos recorde a presença de Cristo em nós que nos reveste “de terna compaixão , bondade, humildade, mansidão, paciência” (Col 3, 12).

Queridos irmãos e irmãs, demos graças a Deus pedindo-Lhe mais amor. Na maturidade da juventude, quando tinha 25 anos, D. Álvaro era “saxum”, rocha, para São Josemaria. Na sua humildade, respondeu um dia por carta ao fundador do Opus Dei com estas palavras: “Eu aspiro a que, apesar de tudo, possa o Padre ter confiança no que mais do que rocha, é barro sem qualquer consistência. Mas o Senhor é tão bom! [2]”. Essa segurança na bondade divina pode empapar toda a nossa existência. “Darei graças ao Teu nome, pela Tua misericórdia e pela Tua lealdade”, rezámos no Salmo responsorial (Sal 138 [137], 2). E a nossa gratidão eleva-se à Trindade Santíssima porque permanece connosco, com a Sua Palavra, o próprio Jesus Cristo (cf. Col 3, 16) e com o Seu Espírito, que nos enche de alegria (cf. Jo 15, 11; Lc 11, 13) e torna possível que nos dirijamos a Deus chamando-Lhe, cheios de confiança, “Abba, Pater”: “Pai! Papá!”.

2. “A trindade da terra leva-nos à Trindade do Céu [3]”, repetia D. Álvaro de acordo com o ensinamento e a experiência do Fundador do Opus Dei. Jesus, Maria e José conduzem-nos ao Pai e ao Espírito Santo; na humanidade santa de Jesus descobrimos, inseparavelmente unida, a divindade [4].

A Sagrada Família! Com palavras da primeira leitura, bendizemos o Senhor “que enaltece a nossa vida desde o seio materno e nos trata segundo a Sua misericórdia” ( Ecl 50, 22). O texto sagrado refere que mesmo antes de nascermos Deus nos amava. Vem-me à memória aquele poema que Virgílio dirige a uma criança recém-nascida: “Incipe, parve puer, risu cognoscere matrem” (Virgílio, Égloga IV, 60)”: “Criancinha, começa a reconhecer a tua mãe pelo seu sorriso”. A criança que nasce vai descobrindo o universo; no rosto da sua mãe, cheio de amor: nesse sorriso que o acolhe, o novo ser acabado de vir ao mundo descobre um reflexo da bondade de Deus.

Neste dia que o Santo Padre Francisco dedica à oração pela família, unimo-nos às súplicas de toda a Igreja por essa “communio dilectionis”, essa “comunhão de amor [5]”, essa “escola [6]” do Evangelho que é a família, como dizia Paulo VI em Nazaré. A família, com o “dinamismo interior e profundo do amor [7]”, tem uma grande “fecundidade espiritual [8]”, como ensinou São João Paulo II, a quem o Beato Álvaro esteve unido por uma filial amizade.

Ao agradecer a D. Álvaro, agradecemos aos seus pais que o acolheram e educaram, que prepararam nele um coração simples e generoso para receber o amor de Deus e responder à sua chamada. “Este é o Meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei”; assim foi D. Álvaro: um homem cujo sorriso bendizia a Deus, que “faz coisas grandes” ( Ecl 50, 22), e que contou com ele para servir a Igreja estendendo o Opus Dei, como fiel filho e sucessor de São Josemaria.

Rezamos para que haja muitas famílias que sejam “lares… luminosos e alegres… como foi o da Sagrada Família [9]”, com palavras de São Josemaria. A nossa gratidão a Deus eleva-se pelo dom da família, reflexo do eterno amor trinitário, lugar onde cada um se sabe amado por si mesmo, tal como é. Agora, damos graças também a todos os pais e mães de família que estão aqui reunidos, e a todos aqueles que se ocupam das crianças, dos idosos, dos doentes.

Famílias: o Senhor ama-vos, o Senhor está presente no vosso matrimónio, imagem do amor de Cristo pela sua Igreja. Sei que muitos de vós se dedicam generosamente a apoiar outros casais no seu caminho de fidelidade, a ajudar muitos outros lares a ir para a frente num contexto social muitas vezes difícil e até hostil. Ânimo! O vosso trabalho de testemunho e de evangelização é necessário para o mundo inteiro. Lembrai-vos de que, como disse o querido Bento XVI, “a fidelidade ao longo do tempo é o nome do amor [10]”.

3. “Sede agradecidos”, exorta-nos São Paulo ( Col 3, 15). O Beato Álvaro, pensando no que devia a São Josemaria, afirmava que “a melhor demonstração de agradecimento consiste em fazer bom uso dos dons recebidos [11]”. Na sua pregação, em tertúlias, em encontros pessoais, em todo o lado, nunca deixava de falar de apostolado e de evangelização. Para permanecer nesse amor de Deus que recebemos, devemos reparti-lo com os outros; a bondade de Deus tende a difundir-se. O Papa Francisco dizia que “na oração, o Senhor nos faz sentir esse amor, mas também através de numerosos sinais que podemos ler na nossa vida, através de numerosas pessoas que põe no nosso caminho. E a alegria do encontro com Ele e da Sua chamada leva a não se fechar, mas a abrir-se; leva ao serviço na Igreja [12]”.

“Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi” ( Jo 15, 16). O Senhor depois de ter insistido em que a iniciativa é sempre Sua, na primazia do Seu amor, envia-nos a difundir o Seu Amor a todas as criaturas: “Destinei-vos para que vades e deis fruto, e para que o vosso fruto permaneça” (ibidem).“Manete in dilectione mea”: “permaneced en mi amor” (Jo 15, 9). Permanecer no Senhor é necessário para dar um fruto que, por sua vez, deite raízes profundas. Jesus acaba de o dizer aos seus discípulos: “Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode por si mesmo dar fruto se não permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim” (Jo 15, 4).

A multidão destes dias, os milhões de pessoas no mundo, e tantas que já nos esperam no Céu, dão também testemunho da fecundidade da vida de D. Álvaro. Convido-vos, irmãs e irmãos, a estar, a desenvolver-vos no amor do Senhor: na oração, na Missa e na Comunhão frequente, na confissão sacramental, para que, com essa força da predileção divina, saibamos transmitir o que recebemos e levá-lo a cabo mediante um autêntico apostolado de amizade e confidência.

Na carta, que o querido Papa Francisco me escreveu por ocasião da beatificação de ontem, dizia-nos que “não podemos ficar com a fé para nós mesmos, é um dom que recebemos para dar e repartir com os outros [13]”; e acrescentava que o Beato Álvaro “nos anima a não ter medo de ir contracorrente e de sofrer para anunciar o Evangelho”, e também que “nos ensina, além disso, que na simplicidade e quotidianidade da nossa vida podemos encontrar um caminho seguro de santidade [14]”.

Neste caminho, com muitos anjos, acompanha-nos a Santíssima Virgem. Maria é Filha de Deus Pai, Mãe de Deus Filho, Esposa e Templo de Deus Espírito Santo. É Mãe de Deus e Mãe nossa, a Rainha da família, a Rainha dos apóstolos. Que Ela nos ajude, como o fez com o Beato Álvaro, a seguir o convite do Sucessor de Pedro: “Deixar-se amar pelo Senhor, abrir o coração ao Seu amor e permitir que seja Ele que guie a nossa vida [15]”, como tantas vezes São Josemaria pediu à Virgem da Almudena, muito querida e venerada nesta Arquidiocese. Assim seja.


[1] S. Josemaría Escrivá de Balaguer, Forja, n. 270.

[2] Beato Álvaro del Portillo, Carta a São Josemaria, Olot, 13 de julho de 1939.

[3] Beato Álvaro del Portillo, Carta pastoral, 30 de setembro de 1975.

[4] Cf. Beato Álvaro del Portillo, Carta pastoral por ocasião das Bodas de Ouro da fundação do Opus Dei, 24 de setembro de 1978.

[5] Venerável Paulo VI, Alocução em Nazaré, 5 de janeiro de 1964.

[6] Ibidem

[7] São João Paulo II, Exortação apostólica pós-sinodal Familiaris consortio, n. 41.

[8] Ibidem.

[9] S. Josemaría Escrivá de Balaguer, Cristo que passa, n. 22.

[10] Bento XVI, Homilia em Fátima, 12 de maio de 2010.

[11] Beato Álvaro del Portillo, Carta pastoral, 1 de julho de 1985.

[12] Francisco, Discurso, Sala Paulo VI, 6 de julho de 2013.

[13] Francisco, Carta a D. Javier Echevarría, Prelado do Opus Dei, por ocasião da beatificação de Álvaro del Portillo celebrada em Madrid no dia 27 de setembro de 2014.

[14] Ibidem.

[15] Ibidem