Prólogo do autor

Getsemaní. Horas de amargura humana para Jesus; horas de paz inefável no mais fundo do Seu espírito, porque cumpre a Vontade santa do Seu Pai. Umas horas, as da oração de Jesus no Horto, que caiem muito fundo da alma do cristão. O Mestre quis rezar com os homens e pelos homens no momento culminante da Sua entrega à obra redentora.

Capa do livro.

Ao sentirmo-nos um personagem mais no Evangelho, como aconselhava S.Josemaria [1], detenhamo-nos com tranquilidade nesta passagem, que nos mostra a força divina do amor de Jesus aos Seus irmãos os homens e, simultaneamente, até que extremos assumiu a nossa fraqueza e a nossa debilidade. Por isso, o que faremos é simplesmente olhar Jesus no Getsemani e, como pano de fundo, os Apóstolos. Cada detalhe dessa noite memorável nos afeta: temos de nos ver nesse transe, para agradecer a bondade de Deus, para enfrentar pessoalmente a Paixão e Morte do Redentor e aprofundar nesse mistério. Assim aprenderemos a amar e a retificar a nossa vida. Vamos proceder como Teresa de Jesus, que, ao contemplar a vida de Cristo, que se sentia melhor onde O via mais «só e afligido». «Em especial — diz-nos — estava muito bem na oração do Horto. Era aí que O acompanhava. Pensava naquele suor e aflição que ali tinha passado... Desejava limpar-lhe aquele tão penoso suor... Muitos anos, as más noites antes de adormecer, quando para dormir me encomendava a Deus, pensava sempre um pouco nesse passo da oração do Horto... E tenho para mim que por aí ganhou muito a minha alma, porque comecei a ter oração sem saber que era...» [2].

Vá por diante esta doutrina clara: todos podemos rezar; com mais exatidão, todos devemos rezar, porque viemos ao mundo para amar a Deus, louvá-l’O, servi-l’O e depois, na outra vida — aqui estamos de passagem — gozar d’Ele eternamente. E o que é rezar? Simplesmente, falar com Deus, mediante orações vocais ou na meditação. Não tem lugar a desculpa de que não sabemos ou nos cansamos. Falar com Deus, para aprender d’Ele, consiste em olhá-l’O, em contar-Lhe a nossa vida — trabalho, alegrias, penas, cansaços, reações, tentações; se O escutamos, ouviremos que nos sugere: deixa aquilo, sê mais cordial, trabalha melhor, serve os outros, não penses mal de ninguém, fala com sinceridade e com educação... Não desprezemos o tesouro da oração, porque se ama como se reza, e reza-se como se ama. Seguramente que, ao contemplar o Mestre em Getsemani, se abrirá passagem na nossa mente à necessidade de orar, também quando não é fácil.

A «agonia» de Getsemani, como São Lucas chama ao transe que Jesus viveu naquele evento salvífico, possui uma força extraordinária de interrogação: «Jesus sofre, por cumprir a Vontade do Pai... E eu, que também quero cumprir a Santíssima Vontade de Deus, seguindo os passos do Mestre, poderei queixar-me, se encontro por companheiro de caminho o sofrimento?

«Constituirá um sinal certo da minha filiação, porque me trata como ao Seu Divino Filho. E, então, como Ele, poderei gemer e chorar a sós no meu Getsemani, mas, prostrado em terra, reconhecendo o meu nada, subirá até ao Senhor um grito saído do íntimo da minha alma: Pater mi, Abba, Pater,... fiat!» [3].

Disponhamo-nos a percorrer passo a passo e palavra a palavra esses relatos evangélicos e a desagravar pelas deficiências dos homens que ali se tornam patentes. Metidos no Evangelho entenderemos que Jesus nos convoca, como aos discípulos, à oração e fixar-nos-emos na atitude que tiveram, com o desejo sincero de que não se repita da nossa parte aquela falta de atenção e de solicitude por Quem tanto nos ama.

Este é o mistério: a Redenção já se cumpriu — semel pro semper: de uma vez por todas e para sempre — na Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor; mas vai-se realizando nas almas todos os dias, dia a dia. E os cristãos — homens e mulheres, jovens e velhos, sãos e doentes, intelectuais e trabalhadores manuais, solteiros e casados — somos apóstolos; mas não apóstolos adormecidos, mas bem despertos, portadores de Cristo, para O conhecer e dá-l’O a conhecer. 

[1] Cfr. São Josemaría Escrivá de Balaguer, Amigos de Deus, n. 222; Forja, n. 8.

[2] Santa Teresa de Jesus, Livro da vida, 9, 4.

[3] S.Josemaria, Via Sacra, I estação, ponto 1.