"A família que reza unida, permanece unida"

O Papa Francisco prossegue a sua viagem de milhares de quilómetros que o levou a encontrar-se com os crentes do Sri Lanka e agora com os das Filipinas. Recolhemos os discursos e homilias que pronuncia.

Encontro com sobreviventes do tufão. Palo (17-I-2015)
Queridos irmãos e irmãs!

Saúdo-vos a todos com grande afecto no Senhor. Sinto-me feliz pelo facto de nos podermos encontrar nesta catedral da Transfiguração do Senhor. Esta casa de oração, a par de muitas outras, foi restaurada graças à notável generosidade de tantas pessoas. Ergue-se como sinal eloquente do imenso esforço de reconstrução, que vós, com os vizinhos, empreendestes depois da devastação causada pelo tufão Yolanda. Mas é também um memorial concreto, para todos nós, de que o nosso Deus actua continuamente, mesmo nos desastres e nas tribulações, fazendo novas todas as coisas.

Muitos de vós sofreram enormemente não só pela destruição causada pelo tufão, mas também pela perda de membros da família e amigos. Hoje confiamos à misericórdia de Deus aqueles que morreram e invocamos a sua consolação e a sua paz para aqueles que ainda choram. Recordamos de maneira especial a quantos de nós, anuviados pelo sofrimento, sentem dificuldade em ver o caminho a seguir. Ao mesmo tempo agradecemos ao Senhor por aqueles que trabalharam nestes meses para retirar os escombros, visitar os doentes e os moribundos, confortar os atribulados e enterrar os mortos. A sua bondade e a ajuda generosa recebida de muitíssimas pessoas de todo o mundo são um sinal real de que Deus nunca nos abandona.

De modo especial quero agradecer aqui a tantos sacerdotes e religiosos que corresponderam, com enorme generosidade, às desesperadas carências das pessoas dos locais mais intensamente atingidos. Através da vossa presença e da vossa caridade, destes testemunho da beleza e verdade do Evangelho. Tornastes presente a Igreja como fonte de esperança, cura, misericórdia. Juntamente com muitíssimos vizinhos, demonstrastes também a profunda fé e a capacidade de renascimento do povo filipino. As inúmeras histórias pessoais de bondade e sacrifício, surgidas daqueles dias escuros, devem ser recordadas e transmitidas às gerações futuras.

Há pouco, benzi o novo Centro para os Pobres, que se destaca como mais um sinal do cuidado e solicitude da Igreja pelos nossos irmãos e irmãs necessitados. E são tantos! Oh como Deus os ama! Hoje, a partir deste lugar que experimentou um sofrimento e uma carência humana tão profundos, peço que se faça mais pelos pobres. Peço sobretudo que os pobres do país inteiro sejam tratados de forma equitativa, que a sua dignidade seja respeitada, que as abordagens políticas e económicas sejam justas e inclusivas, que as oportunidades de emprego e educação sejam desenvolvidas e que sejam removidos os obstáculos na prestação dos serviços sociais. O critério com que tratarmos os pobres será o mesmo com que seremos julgados (cf. Mt 25, 40.45). Peço a todos vós e a quantos são responsáveis pelo bem da sociedade que reafirmem o compromisso com a justiça social e o resgate dos pobres, tanto aqui como em toda a nação filipina.

Por fim, quero deixar uma palavra de sincero agradecimento aos jovens presentes, incluindo os seminaristas e os jovens consagrados. Muitos dentre vós mostraram uma generosidade heróica nas circunstâncias subsequentes ao tufão. Espero que sempre vos deis conta de que a verdadeira felicidade provém de ajudar os outros, oferecendo-nos nós mesmos em sacrifício por eles com misericórdia e compaixão. Então sereis uma força poderosa para a renovação da sociedade, não só na obra de reconstrução dos edifícios, mas também, e muito mais importante, na edificação do Reino de Deus, reino de santidade, justiça e paz na vossa terra natal.

Queridos sacerdotes e consagrados, queridas famílias e amigos, nesta catedral da Transfiguração do Senhor, peçamos que as nossas vidas continuem a ser sustentadas e transfiguradas pela força da sua ressurreição. Confio-vos todos à protecção amorosa de Maria, Mãe da Igreja. Que Ela alcance, para vós e para todos os amados habitantes destas terras, as bênçãos da consolação, da alegria e da paz do Senhor. Deus vos abençoe a todos.

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Homilia na Santa Missa. Aeroporto Internacional de Tacloban (17-I-2015)
Que belas palavras de consolação acabámos de ouvir! Uma vez mais foi-nos dito que Jesus Cristo é o Filho de Deus, o nosso Salvador, o nosso Sumo Sacerdote que nos oferece misericórdia, graça e apoio em tudo o que precisamos (cf. Heb 4, 14-16). Cura as nossas feridas, perdoa os nossos pecados e chama-nos para sermos seus discípulos, como fez com São Mateus (cf. Mc2, 14). Louvemo-Lo pelo seu amor, a sua misericórdia e a sua compaixão. Louvemos o nosso grande Deus!

Dou graças ao Senhor Jesus por podermos estar juntos nesta manhã. Vim para estar convosco, nesta cidade que, há catorze meses, foi devastada pelo tufão Yolanda. Trago-vos o amor de um pai, as orações da Igreja inteira, a promessa de que não estais esquecidos enquanto procedeis à reconstrução. Aqui a tempestade mais forte de quantas já registadas no planeta foi vencida pela força mais poderosa do universo: o amor de Deus. Estamos aqui, nesta manhã, para dar testemunho deste amor, do seu poder de transformar morte e destruição em vida e comunidade. A ressurreição de Cristo, que celebramos nesta Missa, é a nossa esperança e uma realidade que experimentamos mesmo agora. E sabemos que a ressurreição só ocorre depois da cruz, aquela cruz que vós carregastes com fé, dignidade e força dada por Deus.

Estamos aqui congregados, antes de mais nada, para rezar por aqueles que morreram, por quantos ainda estão desaparecidos e pelos feridos. Elevemos a Deus as almas dos mortos, as nossas mães, os nossos pais, filhos e filhas, família, amigos e vizinhos. Temos confiança de que eles, tendo chegado à presença de Deus, encontraram misericórdia e paz (cf. Heb 4, 16). Mas resta muita tristeza por causa da sua ausência. Para vós que os conhecestes e amastes – e que ainda os amais –, a dor por tê-los perdido é real. Mas, contemplemos o futuro com os olhos da fé. A nossa tristeza é uma semente que um dia desabrochará na alegria que o Senhor prometeu a quantos acreditam nas suas palavras: «Felizes os que choram, porque serão consolados» (Mt 5, 4).

Além disso estamos aqui hoje congregados para dar graças a Deus pelo seu auxílio em tempo de necessidade. Ele foi a nossa força nestes meses verdadeiramente difíceis. Perderam-se tantas vidas, houve tanto sofrimento e destruição. E, no entanto, ainda somos capazes de nos reunir para Lhe agradecer. Sabemos que Deus cuida de nós; sabemos que em Jesus, seu Filho, temos um sumo sacerdote capaz de Se compadecer da nossa dor (cf. Heb 4, 15) e sofrer connosco. A com-paixão de Deus, o seu sofrer juntamente connosco, dá um significado e um valor eternos aos nossos esforços. O vosso desejo de Lhe agradecer por todas as graças e bênçãos, mesmo quando perdestes assim tanto, não é apenas um triunfo da capacidade de recuperação e da força do povo filipino; mas é também um sinal da bondade de Deus, da sua proximidade, da sua ternura, do seu poder salvífico.

Demos graças ao Deus Altíssimo também por tudo o que se fez para ajudar, reconstruir, prestar assistência nestes meses de necessidade sem precedentes. Penso em primeiro lugar naqueles que acolheram e deram guarida ao grande número de famílias deslocadas, aos idosos, à juventude. Como é duro deixar a própria casa e os meios próprios de subsistência! Agradecemos a quantos se ocuparam dos desabrigados, dos órfãos e dos desamparados. Sacerdotes, religiosos e religiosas que deram tudo o que podiam. A quantos de vós deram hospedagem e alimento às pessoas em busca de segurança nas igrejas, conventos, casas paroquiais e continuam a assistir aqueles que estão ainda em dificuldade, eu vos agradeço. Sois uma honra para a Igreja, sois o orgulho da vossa nação. Eu agradeço pessoalmente a cada um de vós, pois tudo o que fizestes pelo último dos irmãos e irmãs de Cristo, foi feito a Ele (cf. Mt 25, 40).

Nesta Missa, queremos também agradecer a Deus pelos bons homens e mulheres que prestaram serviço como operadores de salvamento e socorristas. Agradecemos a Ele pelas inúmeras pessoas de todo o mundo que ofereceram generosamente o seu tempo, dinheiro e bens. Estados, organizações e pessoas individuais de toda a terra colocaram em primeiro lugar os necessitados; trata-se de um exemplo que deveria ser seguido. Peço aos líderes de governo, às agências internacionais, aos benfeitores e às pessoas de boa vontade que não se cansem. Resta ainda tanto por fazer. Embora as primeiras páginas dos noticiários tenham mudado, as necessidades permanecem.

A primeira leitura de hoje, tirada da Carta aos Hebreus, incita-nos a permanecer firmes na nossa confissão, a perseverar na fé, a aproximar-nos com confiança do trono da graça de Deus (cf. Heb 4, 16). Estas palavras ganham uma ressonância especial neste lugar: no meio de tanto sofrimento, não cessastes jamais de confessar a vitória da cruz, o triunfo do amor de Deus. Vistes a força deste amor revelada na generosidade de muitíssimas pessoas, em inúmeros pequenos milagres de bondade. Mas constatastes também, nomeadamente na depredação, nas pilhagens e na falta de respostas a este grande drama humano, tantos trágicos sinais do mal, do qual Cristo nos vem salvar. Rezamos para que isto nos leve a uma maior confiança no poder que tem a graça de Deus de vencer o pecado e o egoísmo. Rezamos de modo particular para que cada um se torne cada vez mais sensível ao grito dos nossos irmãos e irmãs necessitados. Rezamos para que nos leve a rejeitar todas as formas de injustiça e corrupção, que, ao roubar aos pobres, envenenam as próprias raízes da sociedade.

Amados irmãos e irmãs, nesta grande provação sentistes de uma maneira especial a graça de Deus, através da presença e amorosa solicitude da Bem-aventurada Virgem Maria, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. É a nossa mãe. Que Ela vos ajude a perseverar na fé e na esperança e a ir ter com quantos estão necessitados. Com São Lorenzo Ruiz, São Pedro Calungsod e todos os Santos, que Ela continue a implorar de Deus a sua misericórdia e amorosa compaixão para este país e para todos os amados filipinos. Amen.

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Encontro com as famílias. Manila. 16-I-2015
Queridas famílias,
Queridos amigos em Cristo!

Obrigado pela vossa presença aqui, nesta noite, e pelo testemunho do vosso amor a Jesus e à sua Igreja. Agradeço a D. Reyes, Presidente da Comissão Episcopal para a Família e a Vida, as suas palavras de boas-vindas em vosso nome. De maneira particular, agradeço àqueles que apresentaram o seu testemunho – obrigado! – e partilharam connosco a sua vida de fé. A Igreja nas Filipinas é abençoada pelo apostolado de muitos movimentos que se ocupam da família; agradeço-lhes pelo seu testemunho.

Raramente as Escrituras falam de São José e, quando o fazem, muitas vezes encontramo-lo a repousar, enquanto lhe é revelada em sonho a vontade de Deus. No texto do Evangelho que acabámos de ouvir, encontramos, não uma mas duas vezes, José a repousar. Nesta noite, quero repousar no Senhor com todos vós. Preciso de repousar no Senhor com as famílias, e recordar a minha família: meu pai, minha mãe, meu avô, minha avó… Hoje eu repouso convosco e quero reflectir convosco sobre o dom da família.

Mas, antes, quero dizer algo sobre o sonho. O meu inglês, porém, é tão pobre! Se mo permitis, vou pedir a Mons. Miles que traduza e eu falarei em espanhol. Tenho em muito apreço o sonhar numa família. Toda a mãe e todo o pai sonharam o seu filho durante nove meses. É verdade ou não? [Sim!]. Sonharam como seria aquele filho… Não é possível uma família sem o sonho. Numa família, quando se perde a capacidade de sonhar, os filhos não crescem, o amor não cresce; a vida debilita-se e apaga-se. Por isso, recomendo-vos que à noite, ao fazer o exame de consciência, vos ponhais também esta pergunta: Hoje sonhei com o futuro dos meus filhos? Hoje sonhei com o amor do meu esposo, da minha esposa? Hoje sonhei com os meus pais, os meus avós que fizeram a vida avançar até mim. É muito importante sonhar. Antes de mais nada, numa família, sonhai. Não percais esta capacidade de sonhar.

E, na vida dos cônjuges, quantas dificuldades se resolvem, se conservarmos um espaço para o sonho, se nos detivermos a pensar no cônjuge e sonharmos com a bondade, com as coisas boas que tem. Por isso, é muito importante recuperar o amor através do sonho de cada dia. Nunca deixeis de ser namorados!

O repouso de José revelou-lhe a vontade de Deus. Neste momento de repouso no Senhor, pondo de lado os nossos numerosos deveres e actividades diárias, Deus fala também a nós. Fala-nos na leitura que ouvimos, nas nossas orações e testemunhos e no silêncio do nosso coração. Reflictamos sobre o que nos está a dizer o Senhor, especialmente no Evangelho desta noite. Há três aspectos deste texto que vos peço para considerardes: primeiro, repousar no Senhor; segundo, levantar-se com Jesus e Maria; terceiro, ser voz profética.

Repousar no Senhor. O repouso, apesar de ser necessário para a saúde das nossas mentes e dos nossos corpos, com frequência é muito difícil de conciliar por causa das numerosas exigências que gravam sobre nós. Mas o repouso é essencial também para a nossa saúde espiritual, para podermos ouvir a voz de Deus e compreender aquilo que nos pede. José foi escolhido por Deus para ser pai putativo de Jesus e marido de Maria. Como cristãos, também vós sois chamados, à semelhança de José, a preparar uma casa para Jesus. Preparar uma casa para Jesus. Preparais uma casa para Ele nos vossos corações, nas vossas famílias, nas vossas paróquias e nas vossas comunidades.

Para ouvir e aceitar a chamada de Deus, para construir uma casa para Jesus, deveis ser capazes de repousar no Senhor. Deveis encontrar cada dia o tempo para repousar no Senhor, para rezar. Rezar é repousar no Senhor. Mas poderíeis dizer-me: Santo Padre, isso sabemos nós; eu quero rezar, mas há tanto que fazer! Devo cuidar dos meus filhos; tenho os deveres de casa; estou demasiado cansado até mesmo para dormir bem. É justo. Isto até pode ser verdade; mas, se não rezarmos, nunca conheceremos a coisa mais importante de todas: a vontade de Deus a nosso respeito. Além disso, durante toda a nossa actividade, na multiplicidade das nossas ocupações, com a nossa oração tudo conseguiremos.

Repousar na oração é particularmente importante para as famílias. É, antes de tudo, na família que aprendemos como rezar. Não esqueçais: quando a família reza unida, permanece unida. Isto é importante. Nela chegamos a conhecer Deus, a crescer como homens e mulheres de fé, a considerar-nos como membros da família mais ampla de Deus, a Igreja. Na família, aprendemos a amar, a perdoar, a ser generosos e disponíveis e não fechados e egoístas. Aprendemos a ir além das nossas próprias necessidades, para encontrar outras pessoas e partilhar as nossas vidas com elas. Por isso é tão importante rezar como família. Tão importante! É por isso que as famílias são tão importantes no plano de Deus para a Igreja. Repousar no Senhor é rezar, unidos em família.

Queria ainda dizer-vos algo de pessoal. Amo muito São José, porque é um homem forte e silencioso. Na minha escrivaninha, tenho uma imagem de São José que dorme e, enquanto dorme, cuida da Igreja. Sim! Pode fazê-lo, como sabemos. E, quando tenho um problema, uma dificuldade, escrevo um bilhetinho e meto-o debaixo de São José, para que o sonhe. Este gesto significa: reza por este problema.

Agora vejamos o segundo ponto: levantar-se com Jesus e Maria. Estes momentos preciosos de repouso, duma pausa com o Senhor na oração, talvez gostássemos de poder prolongá-los. Mas, como São José, uma vez que se ouviu a voz de Deus, temos de despertar do nosso sono; devemos levantar-nos e agir (cf. Rm 13, 11). Em família, devemos levantar-nos e agir. A fé não nos tira do mundo, mas insere-nos mais profundamente nele. Isto é muito importante. Devemos caminhar em profundidade no mundo, mas com a força da oração. Na realidade, a cada um de nós cabe um papel especial na preparação da vinda do Reino de Deus ao nosso mundo.

Tal como o dom da Sagrada Família foi confiado a São José, assim também o dom da família e o seu lugar no plano de Deus estão confiados a nós. Como a São José. O dom da Sagrada Família foi confiado a São José, para que o levasse por diante. A cada um de vós – e de nós, porque também eu sou filho duma família – é confiado o plano de Deus, para que seja levado por diante. O Anjo do Senhor revelou a José os perigos que ameaçavam Jesus e Maria, obrigando-os a fugir para o Egipto e, em seguida, estabelecer-se em Nazaré. De igual modo, no nosso tempo, Deus chama-nos a reconhecer os perigos que ameaçam as nossas próprias famílias e a protegê-las do mal.

Existem colonizações ideológicas que procuram destruir a família. Não nascem do sonho, da oração, do encontro com Deus, da missão que Deus nos dá. Provêm de fora; por isso, digo que são colonizações. Não percamos a liberdade da missão que Deus nos dá, a missão da família E assim como os nossos povos, num determinado momento da sua história, chegaram à maturidade de dizer «não» a qualquer colonização política, assim também como família devemos ser muito sagazes, muito hábeis, muito fortes, para dizer «não» a qualquer tentativa de colonização ideológica da família. E pedir a intercessão de São José, que é amigo do Anjo, para saber quando podemos dizer «sim» e quando devemos dizer «não».

Hoje os pesos que gravam sobre a vida da família são muitos. Aqui, nas Filipinas, inumeráveis famílias sofrem ainda as consequências das catástrofes naturais. A situação económica provocou a fragmentação das famílias com a emigração e a busca de um emprego, para além dos problemas financeiros que atormentam muitos lares domésticos. Enquanto muitas pessoas vivem em pobreza extrema, outras caem nas malhas do materialismo e de estilos de vida que abolem a vida familiar e as exigências mais fundamentais da moral cristã. Estas são as colonizações ideológicas. A família está ameaçada também pelos crescentes esforços de alguns em redefinir a própria instituição do matrimónio mediante o relativismo, a cultura do efémero, a falta de abertura à vida.

Penso no Beato Paulo VI. Num período em que se propunha o problema do crescimento demográfico, teve a coragem de defender a abertura à vida na família. Ele conhecia as dificuldades que havia em cada família; por isso, na sua Encíclica, era tão misericordioso com os casos particulares. E pediu aos confessores que fossem muito misericordiosos e compreensivos com os casos particulares. Mas ele olhou mais longe: olhou os povos da terra e viu esta ameaça da destruição da família pela falta de filhos. Paulo VI era corajoso, era um bom pastor e avisou as suas ovelhas a propósito dos lobos que chegavam. Que ele, lá do Céu, nos abençoe nesta tarde!

O nosso mundo tem necessidade de famílias sãs e fortes para superar estas ameaças. As Filipinas precisam de famílias santas e cheias de amor para proteger a beleza e a verdade da família no plano de Deus e servir de apoio e exemplo para as outras famílias. Toda a ameaça à família é uma ameaça à própria sociedade. O futuro da humanidade – como várias vezes disse São João Paulo II– passa através da família (cf. Familiaris consortio, 85). O futuro passa através da família. Por isso, guardai as vossas famílias. Protegei as vossas famílias! Vede nelas o maior tesouro da vossa nação, e alimentai-as sempre com a oração e a graça dos sacramentos. As famílias sempre terão as suas provações, não precisam que lhes junteis mais! Pelo contrário, sede exemplos de amor, perdão e solicitude. Sede santuários de respeito pela vida, proclamando a sacralidade de toda a vida humana desde a concepção até à morte natural. Que grande dom seria isto para a sociedade: cada família cristã viver plenamente a sua nobre vocação! Então, levantai-vos com Jesus e Maria e disponde-vos a percorrer a estrada que o Senhor traça para cada um de vós.

Por fim, o Evangelho que ouvimos recorda-nos que o nosso dever de cristãos é ser vozes proféticas no meio das nossas comunidades. José ouviu a voz do Anjo do Senhor e respondeu à chamada que Deus lhe fez de cuidar de Jesus e Maria. Assim desempenhou ele o seu papel no plano de Deus e tornou-se uma bênção não só para a Sagrada Família, mas também para toda a humanidade. Juntamente com Maria, José serviu de modelo para o menino Jesus que ia crescendo em sabedoria, idade e graça (cf. Lc 2, 52). Quando as famílias permitem às crianças nascer para este nosso mundo, as educam na fé e em sãos valores e as ensinam a dar a sua contribuição para a sociedade, tornam-se uma bênção ao seu redor. As famílias podem tornar-se uma bênção para o mundo. O amor de Deus torna-se presente e activo a partir do modo como nós amamos e das boas obras que praticamos. Fazemos crescer o Reino de Cristo neste mundo. Ao fazê-lo, mostramo-nos fiéis à missão profética que recebemos no Baptismo.

Durante este ano consagrado pelos vossos bispos como Ano dos Pobres, pedir-vos-ia que estivésseis, como família, particularmente atentos à vossa chamada para ser discípulos missionários de Jesus. Isto significa estar prontos para ir além dos limites das vossas casas e cuidar dos irmãos e irmãs mais necessitados. Peço que vos interesseis de modo especial por aqueles que não têm uma família própria, particularmente os idosos e as crianças sem pais. Nunca os deixeis sentir-se isolados, sozinhos e abandonados, mas ajudai-os a saber que Deus não os esqueceu. Hoje, depois da Missa, senti-me profundamente comovido ao visitar aquela casa de crianças sozinhas, sem família. E, na Igreja, quantas pessoas trabalham para que aquela casa seja uma família! Isto significa levar por diante, profeticamente, o significado duma família.

E, no caso de vós próprios serdes pobres em sentido material, sabei que tendes uma abundância de dons a distribuir quando ofereceis Cristo e a comunidade da sua Igreja. Não escondais a vossa fé, não escondais Jesus, mas colocai-O no mundo e oferecei o testemunho da vossa vida familiar.

Queridos amigos em Cristo, sabei que rezo sempre por vós. Rezo pelas famílias; rezo mesmo! Rezo para que o Senhor continue a aprofundar o vosso amor por Ele e que este amor se possa manifestar no vosso amor recíproco e pela Igreja. Não esqueçais Jesus que dorme. Não esqueçais São José que dorme. Jesus dormiu com a protecção de José. Não esqueçais: o repouso da família é a oração. Não esqueçais de rezar pela família. Rezai com frequência e levai os frutos da vossa oração para o mundo, a fim de que todos possam conhecer Jesus Cristo e o seu amor misericordioso. Por favor, «dormi» também por mim: rezai também por mim; preciso verdadeiramente das vossas orações e sempre contarei com elas. Muito obrigado!

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Santa Missa com os Bispos, sacerdotes, religiosas e religiosos. Catedral de Manila (16-I-2015)
«Tu amas-Me?» [as pessoas: «Sim!»] Obrigado; mas eu estava a ler a palavra de Jesus! Diz o Senhor: «Tu amas-Me? (…) Apascenta os meus cordeiros» (Jo 21, 15.16). As palavras de Jesus a Pedro, no Evangelho de hoje, são as primeiras palavras que vos dirijo, amados irmãos bispos e sacerdotes, religiosos e religiosas, e jovens seminaristas. Estas palavras recordam-nos algo de essencial: todo o ministério pastoral nasce do amor. Todo o ministério pastoral nasce do amor! Toda a vida consagrada é um sinal do amor reconciliador de Cristo. Na variedade das nossas vocações, cada um de nós é chamado de alguma forma, como Santa Teresa do Menino Jesus, a ser o amor no coração da Igreja.

Com grande afecto vos saúdo e peço para levardes o meu afecto a todos os vossos irmãos e irmãs idosos e doentes e a todos aqueles que hoje não puderam juntar-se a nós. Com a Igreja nas Filipinas que olha para o quinto centenário da sua evangelização, sentimos gratidão pela herança deixada por tantos bispos, sacerdotes e religiosos das gerações passadas. Eles esforçaram-se não só por pregar o Evangelho e construir a Igreja nesta nação, mas também por forjar uma sociedade inspirada pela mensagem evangélica da caridade, do perdão e da solidariedade ao serviço do bem comum. Hoje vós continuais a mesma obra de amor. Como eles, sois chamados a construir pontes, apascentar o rebanho de Cristo e preparar vigorosos caminhos para o Evangelho na Ásia ao alvorecer duma nova era.

«O amor de Cristo nos absorve completamente» (2 Cor 5, 14). Na primeira leitura de hoje, São Paulo diz-nos que o amor que somos chamados a anunciar é um amor reconciliador, que jorra do coração do Salvador crucificado. Somos chamados a ser «embaixadores em nome de Cristo» (cf. 2 Cor 5, 20). O nosso é um ministério de reconciliação. Proclamamos a Boa-Nova do amor, da misericórdia e da compaixão infinitos de Deus. Proclamamos a alegria do Evangelho. Uma vez que o Evangelho é a promessa da graça de Deus, a única que pode trazer plenitude e cura ao nosso mundo arruinado, ele pode inspirar a construção duma ordem social verdadeiramente justa e redimida.

Ser embaixador de Cristo significa, antes de mais nada, convidar cada pessoa a um renovado encontro com o Senhor Jesus (cf.Evangelii gaudium, 3). O nosso encontro pessoal com Ele. Este convite deve estar no centro da vossa comemoração da evangelização das Filipinas. Mas o Evangelho é também uma exortação à conversão, a um exame da nossa consciência, como indivíduos e como povo. Como justamente ensinaram os vossos bispos, a Igreja nas Filipinas é chamada a individuar e combater as causas da desigualdade e injustiça profundamente enraizadas, que desfeiam o rosto da sociedade filipina, contradizendo claramente o ensinamento de Cristo. O Evangelho chama os indivíduos cristãos a conduzirem vidas honestas, íntegras e solícitas pelo bem comum. Mas chama também as comunidades cristãs a criarem «círculos de integridade», redes de solidariedade que possam impelir a abraçar e transformar a sociedade com o seu testemunho profético.

Os pobres. Os pobres estão no centro do Evangelho, são o coração do Evangelho; se tirarmos os pobres do Evangelho, não podemos compreender plenamente a mensagem de Jesus Cristo. Como embaixadores de Cristo, nós, bispos, sacerdotes e religiosos, devemos ser os primeiros a receber a sua graça reconciliadora nos nossos corações. São Paulo deixa claro o que isto significa; significa rejeitar perspectivas mundanas, olhando tudo de novo à luz de Cristo. Isto comporta que sejamos os primeiros a examinar a nossa consciência, reconhecer os nossos falimentos e quedas e embocar o caminho duma contínua conversão, da conversão diária. Como poderemos proclamar aos outros a novidade e o poder libertador da Cruz, se nós mesmos não permitirmos que a Palavra de Deus abale o comprazimento em nós próprios, o nosso medo de mudar, os nossos comprometimentos mesquinhos com as modalidades deste mundo, o nosso «mundanismo espiritual» (cf. Evangelii gaudium, 93)?

Para nós, sacerdotes e pessoas consagradas, a conversão à novidade do Evangelho implica um encontro diário com o Senhor na oração. Os Santos ensinam-nos que isto é a fonte de todo o zelo apostólico. Para os religiosos, viver a novidade do Evangelho significa encontrar incessantemente na vida da comunidade e nos apostolados da comunidade o incentivo para uma união cada vez mais estreita com o Senhor na caridade perfeita. Para todos nós, isto significa viver de tal forma que espelhemos a pobreza de Cristo, cuja vida estava inteiramente focalizada em fazer a vontade do Pai e servir os outros. Naturalmente, a grande ameaça a isto mesmo é cair num certo materialismo que pode insinuar-se dentro das nossas vidas e comprometer o testemunho que prestamos. Somente o tornar-nos pobres, tornando-nos nós próprios pobres, expulsando o nosso auto comprazimento, permitirá identificar-nos com os últimos dos nossos irmãos e irmãs. Veremos as coisas sob uma nova luz e, deste modo, poderemos responder, com honestidade e integridade, ao desafio de anunciar a radicalidade do Evangelho numa sociedade acostumada à exclusão, à polarização e a uma desigualdade escandalosa.

Aqui desejo dizer uma palavra especial aos jovens sacerdotes, religiosos, e seminaristas presentes. Peço-vos que partilheis a alegria e o entusiasmo do vosso amor por Cristo e pela Igreja com todos, mas sobretudo com os da vossa idade. Mantende-vos presentes no meio dos jovens que possam sentir-se confusos e desanimados, e todavia continuam a ver a Igreja como sua amiga no caminho e uma fonte de esperança.

Sede solidários com aqueles que, vivendo no meio duma sociedade molesta pela pobreza e a corrupção, sentem-se com o espírito abatido, tentados a largar tudo, deixar a escola e viver pela estrada. Proclamai a beleza e a verdade do matrimónio cristão a uma sociedade que é tentada por apresentações confusas da sexualidade, do matrimónio e da família. Como sabeis, estas realidades estão cada vez mais sob ataque de forças poderosas que ameaçam desfigurar o plano criador de Deus e trair os verdadeiros valores que inspiraram e moldaram quanto de belo existe na vossa cultura.

Na realidade, a cultura filipina foi plasmada pela criatividade da fé. Por todo o lado, os filipinos são conhecidos pelo seu amor a Deus, pela sua piedade fervorosa e a sua ardente e cordial devoção a Nossa Senhora e ao seu terço; pelo seu amor a Deus, pela sua piedade fervorosa e a sua ardente e cordial devoção a Nossa Senhora e ao seu terço. Este grande legado contém um forte potencial missionário. É o modo como o vosso povo inculturou o Evangelho e continua a acolher a sua mensagem (cf. Evangelii gaudium, 122). No vosso esforço de preparação para o quinto centenário, construí sobre estas bases sólidas.

Cristo morreu por todos a fim de que, mortos n'Ele, não vivamos mais para nós mesmos, mas para Ele (cf. 2 Cor 5, 15). Amados irmãos bispos, sacerdotes e religiosos, rogo a Maria, Mãe da Igreja, que faça jorrar de todos vós uma tal abundância de zelo, que possais gastar-vos abnegadamente ao serviço dos nossos irmãos e irmãs. Possa, assim, o amor reconciliador de Cristo penetrar ainda mais profundamente no tecido da sociedade filipina e, por vosso intermédio, nos ângulos mais distantes do mundo. Ámen.

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Encontro com as autoridades e o corpo diplomático. Manila (16-I-2015)
Senhoras e Senhores!

Agradeço-lhe, Senhor Presidente, a sua amável recepção e as palavras de saudação que me dirigiu em nome das autoridades, do povo filipino e dos ilustres membros do Corpo Diplomático. Sinto-me muito grato pelo convite para visitar as Filipinas. A minha visita é primariamente pastoral. Acontece num momento em que a Igreja neste país se prepara para celebrar o quinto centenário do primeiro anúncio do Evangelho de Jesus Cristo nestas costas. A mensagem cristã teve uma influência enorme sobre a cultura filipina. A minha esperança é que tão importante efeméride faça ressaltar a sua constante fecundidade e a sua capacidade de inspirar uma sociedade digna da bondade, dignidade e aspirações do povo filipino.

De modo particular, esta visita quer exprimir a minha solidariedade aos nossos irmãos e irmãs que sofreram a tribulação, as perdas e a devastação causadas pelo tufão Yolanda. Juntamente com as pessoas de todo o mundo, admirei a força heróica, a fé e a resistência demonstradas por tantos filipinos face a este desastre natural, e muitos outros. Tais virtudes, radicadas em grande medida na esperança e solidariedade infundidas pela fé cristã, deram origem a uma profusão de bondade e generosidade, especialmente por parte de muitos jovens. Naquele momento de crise nacional, inúmeras pessoas vieram em auxílio dos seus vizinhos em necessidade. Com grande sacrifício, ofereceram o seu tempo e os seus recursos, criando uma rede de apoio mútuo e compromisso em prol do bem comum.

Este exemplo de solidariedade no trabalho de reconstrução oferece-nos uma lição importante. Como uma família, cada sociedade tira força dos seus recursos mais profundos para enfrentar novos desafios. Hoje as Filipinas, juntamente com muitas outras nações da Ásia, têm pela frente a necessidade de construir uma sociedade moderna, fundada em bases sólidas: uma sociedade respeitadora dos valores humanos autênticos, que tutele a nossa dignidade e direitos humanos, com base em Deus, e que esteja pronta a enfrentar novos e complexos problemas éticos e políticos. Como muitas vozes na vossa nação assinalaram, agora, mais do que nunca, é necessário que os dirigentes políticos se distingam por honestidade, integridade e responsabilidade quanto ao bem comum. Desta forma, poderão preservar os ricos recursos naturais e humanos com que Deus abençoou este país. Assim serão capazes de gerir os recursos morais necessários para enfrentar as solicitações do presente e transmitir às gerações futuras uma sociedade verdadeiramente justa, solidária e pacífica.

Essencial para a realização destes objectivos nacionais é o imperativo moral de assegurar a justiça social e o respeito pela dignidade humana. A grande tradição bíblica prescreve para todos os povos o dever de ouvir a voz dos pobres e quebrar as cadeias da injustiça e da opressão, que dão origem a óbvias e verdadeiramente escandalosas desigualdades sociais. A reforma das estruturas sociais que perpetuam a pobreza e a exclusão dos pobres, exige, antes de mais nada, uma conversão da mente e do coração. Os bispos das Filipinas pediram que este ano fosse proclamado «Ano dos Pobres». Espero que esta instância profética determine em cada um, a todos os níveis da sociedade, a firme rejeição de toda a forma de corrupção, que desvia recursos dos pobres. Possa ela inspirar a vontade de um esforço concertado para incluir todo o homem, mulher e criança na vida da comunidade.

Um papel fundamental na renovação da sociedade cabe, naturalmente, à família e especialmente aos jovens. Um aspecto particular da minha visita será o encontro com as famílias e com os jovens aqui em Manila. As famílias desempenham uma missão indispensável na sociedade. É na família que as crianças crescem nos sãos valores, nos altos ideais e na genuína preocupação pelos outros. Mas, como todos os dons de Deus, a família pode também ser desfigurada e destruída. Precisa do nosso apoio. Sabemos como é difícil hoje, para as nossas democracias, preservar e defender certos valores humanos basilares, como o respeito pela dignidade inviolável de cada pessoa humana, o respeito pelos direitos de liberdade de consciência e de religião, o respeito pelo direito inalienável à vida, a começar pela vida dos nascituros até à dos idosos e dos doentes. Por esta razão, as famílias e as comunidades locais devem ser encorajadas e assistidas nos seus esforços por transmitir aos nossos jovens os valores e a visão que podem ajudar a criar uma cultura de integridade, na qual se honre bondade, sinceridade, fidelidade e solidariedade como bases sólidas e vínculo moral que mantenha unida a sociedade.

Senhor Presidente, ilustres Autoridades, queridos amigos!

No início de minha visita a esta nação, não posso deixar de mencionar o papel importante das Filipinas na promoção do entendimento e cooperação entre as nações da Ásia, bem como a contribuição muitas vezes esquecida, mas não menos real, dos filipinos da diáspora para a vida e o bem-estar das sociedades onde residem. É precisamente à luz da rica herança cultural e religiosa, de que a vossa nação se sente orgulhosa, que vos deixo um desafio e um encorajamento. Que os valores espirituais mais profundos do povo filipino continuem a encontrar expressão no esforço por proporcionar aos vossos concidadãos um progresso humano integral. Desta forma, cada pessoa será capaz de realizar as suas potencialidades e assim contribuir, de maneira sábia e justa, para o futuro da própria nação. Tenho confiança de que os louváveis esforços por promover o diálogo e a cooperação entre os seguidores das diferentes religiões produzirão fruto na busca desta nobre finalidade. De modo particular, exprimo a minha confiança de que o progresso conseguido levando a paz ao sul do país há-de gerar soluções justas de acordo com os princípios basilares da nação e no respeito pelos direitos inalienáveis de todos, incluindo as populações indígenas e as minorias religiosas.

Sobre vós e sobre cada homem, mulher e criança desta amada nação, de coração invoco a abundância das bênçãos de Deus.

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Santuário de Nossa Senhora do Rosário, Madhu (14-I-2015)
Amados irmãos e irmãs!

Encontramo-nos na casa da nossa Mãe. Ela nos acolhe aqui na sua casa. Neste santuário de Nossa Senhora de Madhu, cada peregrino pode sentir-se em casa, porque aqui Maria nos introduz na presença do seu Filho Jesus. Aqui todos os cidadãos do Sri Lanka, tamils e cingaleses, vêm como membros de uma única família. A Maria, confiam as suas alegrias e os seus sofrimentos, as suas esperanças e as suas necessidades. Aqui, na sua casa, sentem-se seguros. Sabem que Deus está presente; sentem o seu amor; conhecem a sua terna misericórdia, a terna misericórdia de Deus.

Hoje estão aqui famílias que sofreram imenso no longo conflito que dilacerou o coração do Sri Lanka. Muitas pessoas – tanto do norte como do sul – foram mortas na violência terrível e sangrenta destes anos. Nenhum srilanquês consegue esquecer os trágicos acontecimentos relacionados com este mesmo lugar, nem o dia triste em que a venerável imagem de Maria, remontando à chegada dos primeiros cristãos ao Sri Lanka, foi levada do seu santuário.

Mas Nossa Senhora tem permanecido sempre convosco. Ela é mãe de cada casa, de cada família ferida, de todos aqueles que estão procurando voltar a uma existência pacífica. Hoje agradecemos-Lhe por ter protegido de tantos perigos, passados e presentes, o povo do Sri Lanka. Maria nunca esquece os seus filhos desta ilha esplêndida. Assim como Ela nunca saiu de junto do seu Filho na cruz, assim também nunca saiu de junto dos seus filhos srilanqueses que sofriam.

Hoje queremos agradecer a Nossa Senhora por esta presença. Depois de tanto ódio, tanta violência e tanta destruição, queremos agradecer-Lhe por continuar a trazer-nos Jesus, o único que tem o poder de curar as feridas abertas e restituir a paz aos corações destroçados. Mas queremos também pedir-Lhe que nos alcance a graça da misericórdia de Deus. Pedimos ainda a graça de nos emendarmos dos nossos pecados e de todo o mal que esta terra conheceu.

Não é fácil fazê-lo. Na verdade, só quando chegarmos a compreender, à luz da Cruz, o mal de que somos capazes e do qual porventura fomos cúmplices, é que podemos experimentar um autêntico remorso e um verdadeiro arrependimento. Só então podemos receber a graça de nos aproximarmos uns dos outros com verdadeira contrição, oferecendo e procurando um verdadeiro perdão. Neste árduo esforço de perdoar e encontrar a paz, Maria sempre está aqui a encorajar-nos, guiar-nos, levar-nos a dar mais um passo. Precisamente como Ela perdoou aos assassinos do seu Filho junto da Cruz, quando segurava nas mãos o corpo d'Ele sem vida, assim agora Ela quer guiar os srilanqueses para uma maior reconciliação, de tal modo que o bálsamo do perdão de Deus possa produzir verdadeira cura para todos.

Por fim, queremos pedir a Maria, nossa Mãe, que acompanhe com as suas orações os esforços dos cidadãos do Sri Lanka de ambas as comunidades, tamil e cingalesa, por reconstruir a unidade perdida. Pedimos que, assim como a imagem d'Ela voltou ao seu santuário de Madhu depois da guerra, assim também todos os seus filhos e filhas do Sri Lanka possam agora voltar à casa de Deus num renovado espírito de reconciliação e fraternidade.

Amados irmãos e irmãs, sinto-me feliz por estar convosco na casa de Maria. Rezemos uns pelos outros. Acima de tudo, peçamos que este santuário possa ser sempre uma casa de oração e um refúgio de paz. Por intercessão de Nossa Senhora de Madhu, que todos possam encontrar aqui inspiração e força para construir um futuro de reconciliação, justiça e paz para os filhos desta amada terra. Ámen.

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Canonização de José Vaz, Colombo (14-I-2015)

«Todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus» (Is 52, 10).

Esta é a magnífica profecia que ouvimos na primeira leitura de hoje. Isaías prediz o anúncio do Evangelho de Jesus Cristo até aos confins da terra. Esta profecia tem um significado especial para nós, que celebramos a canonização do grande missionário do Evangelho, São José Vaz. Ele, como tantos outros missionários na história da Igreja, respondeu à ordem dada pelo Senhor ressuscitado para fazer discípulos de todas as nações (cf. Mt 28, 19). Com as suas palavras e, o mais importante, com o exemplo da sua vida, conduziu o povo desta nação à fé que nos concede «parte na herança com todos os santificados» (Act 20, 32).

Em São José, vemos um sinal eloquente da bondade e do amor de Deus pelo povo do Sri Lanka. Mas, nele, vemos também um estímulo para perseverar no caminho do Evangelho a fim de crescermos nós próprios em santidade e testemunharmos a mensagem evangélica de reconciliação à qual dedicou a sua vida.

Padre do Oratório, José Vaz deixa Goa, sua terra natal, e chega a este país movido apenas pelo zelo missionário e por um grande amor a estes povos. Por causa da perseguição religiosa em acto, vestia-se como um mendigo, cumpria os seus deveres sacerdotais encontrando secretamente os fiéis, muitas vezes durante a noite. Os seus esforços deram energia espiritual e moral à população católica assediada. Sentia uma ânsia particular de servir os doentes e atribulados. O seu ministério em favor dos enfermos, durante uma epidemia de varíola em Kandy, foi tão apreciado pelo rei, que lhe foi concedida maior liberdade de ministério. A partir de Kandy, pôde alcançar outras partes da ilha. Deixou-se consumir pelo trabalho missionário e morreu, exausto, aos cinquenta e nove anos de idade, venerado pela sua santidade.

São José Vaz continua a ser um exemplo e um mestre por muitas razões, mas gostaria de focalizar três.

Antes de mais nada, foi um sacerdote exemplar. Hoje temos aqui connosco muitos sacerdotes, religiosos e religiosas, que, como ele, estão consagrados ao serviço do Evangelho de Deus e do próximo. Encorajo cada um de vós a olhar para São José como para um guia seguro. Ensina-nos a sair para as periferias, a fim de tornar Jesus Cristo conhecido e amado por toda a parte. Ele é também um exemplo de sofrimento paciente por causa do Evangelho, de obediência aos superiores, de solícito cuidado pela Igreja de Deus (cf. Act 20, 28). Como nós, São José viveu num período de transformações rápidas e profundas; os católicos eram uma minoria e, com frequência, dividida no seu seio; havia hostilidade ocasional, e até mesmo perseguição, dos de fora. Apesar disso, ele, permanecendo constantemente unido ao Senhor crucificado na oração, foi capaz de se tornar para todos um ícone vivo do amor misericordioso e reconciliador de Deus.

Em segundo lugar, São José mostrou-nos a importância de transcender as divisões religiosas no serviço da paz. O seu amor indiviso a Deus abriu-o ao amor do próximo; gastou o seu ministério em favor dos necessitados, sem olhar quem fosse e onde estivesse. O seu exemplo continua a inspirar hoje a Igreja no Sri Lanka, a qual, de bom grado e generosamente, serve todos os membros da sociedade. Não faz distinção de raça, credo, tribo, condição social ou religião, no serviço que proporciona através das suas escolas, hospitais, clínicas e muitas outras obras de caridade. Nada mais pede do que liberdade para exercer a sua missão. A liberdade religiosa é um direito humano fundamental. Cada indivíduo deve ser livre de procurar, sozinho ou associado com outros, a verdade, livre de expressar abertamente as suas convicções religiosas, livre de intimidações e constrições externas. Como nos ensina a vida de José Vaz, a autêntica adoração de Deus leva, não à discriminação, ao ódio e à violência, mas ao respeito pela sacralidade da vida, ao respeito pela dignidade e a liberdade dos outros e a um solícito compromisso em prol do bem-estar de todos.

Finalmente, São José oferece-nos um exemplo de zelo missionário. Embora tenha partido para o Ceilão a fim de assistir e apoiar a comunidade católica, na sua caridade evangélica ele veio para todos. Deixando para trás a sua casa, a sua família, o conforto dos lugares que lhe eram familiares, respondeu à chamada para ir mais longe, para falar de Cristo onde quer que se encontrasse. São José sabia como oferecer a verdade e a beleza do Evangelho num contexto plurireligioso, com respeito, dedicação, perseverança e humildade. Este é, também hoje, o caminho para os seguidores de Jesus. Somos chamados a ir mais longe com o mesmo zelo, com a mesma coragem de São José, mas também com a sua sensibilidade, com o seu respeito pelos outros, com a sua ânsia de partilhar com eles a palavra da graça (cf. Act 20, 32) que tem o poder de os edificar. Somos chamados a ser discípulos missionários.

Amados irmãos e irmãs, rezo para que, seguindo o exemplo de São José Vaz, os cristãos desta nação possam ser confirmados na fé e dar uma contribuição ainda maior para a paz, a justiça e a reconciliação na sociedade srilanquesa. Isto é o que Cristo espera de vós. Isto é o que São José vos ensina. Isto é o que a Igreja precisa de vós. Confio-vos todos à intercessão do nosso novo Santo, para que, em união com toda a Igreja espalhada pelo mundo inteiro, possais cantar um cântico novo ao Senhor e proclamar a sua glória até aos confins do mundo. Porque o Senhor é grande e digno de todo o louvor (cf. Sal 96/95, 4). Amen.

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Boas-vindas no Aeroporto Internacional de Colombo (13-I-2015)
Senhor Presidente,
Ilustres Autoridades do Governo,
Eminência, Excelências,
Queridos amigos!

Obrigado pela vossa recepção calorosa. Há muito que eu esperava por esta visita ao Sri Lanka e os dias que passaremos juntos. O Sri Lanka é conhecido como a Pérola do Oceano Índico pelas suas belezas naturais. Mas, e muito mais importante, esta ilha é conhecida pelo calor do seu povo e a rica diversidade das suas tradições culturais e religiosas.

Senhor Presidente, apresento-lhe meus venturosos votos para as suas novas responsabilidades. Saúdo os ilustres membros do governo e as autoridades civis que nos honram com a sua presença. De modo especial agradeço a presença dos proeminentes líderes religiosos, que têm um papel tão importante na vida deste país. E, evidentemente, desejo manifestar o meu apreço aos fiéis, aos membros do coro, bem como às inúmeras pessoas que trabalharam para tornar possível esta visita. Agradeço a todos, do fundo do coração, pela vossa gentileza e hospitalidade.

A minha visita ao Sri Lanka é primariamente pastoral. Como pastor universal da Igreja Católica, vim para encontrar e encorajar os católicos desta ilha, bem como para rezar com eles. Um ponto central desta visita será a canonização do Beato José Vaz, cujo exemplo de caridade cristã e de respeito por todos, sem distinção de etnia ou religião, continua a servir-nos de inspiração e lição ainda hoje. Mas a minha visita quer também expressar o amor e a solicitude da Igreja por todos os srilanqueses e confirmar o desejo da comunidade católica de participar activamente na vida desta sociedade.

É uma tragédia contínua no nosso mundo que muitas comunidades estejam em guerra entre si. A incapacidade de conciliar as diferenças e divergências, sejam elas antigas ou recentes, fez surgir tensões étnicas e religiosas, muitas vezes acompanhadas por surtos de violência. Durante muitos anos, o Sri Lanka conheceu os horrores do conflito civil e agora tem procurado consolidar a paz e curar as feridas daqueles anos. Não é tarefa fácil superar a amarga herança de injustiças, hostilidades e desconfiança deixada pelo conflito. Só se pode conseguir, superando o mal com o bem (cf. Rm 12, 21) e cultivando aquelas virtudes que promovem a reconciliação, a solidariedade e a paz. Além disso, o processo de cura exige que se inclua a busca da verdade, não com o objectivo de abrir velhas feridas, mas como meio necessário para promover a justiça, a cura e a unidade.

Queridos amigos, estou convencido de que os seguidores das várias tradições religiosas têm um papel essencial a desempenhar no delicado processo de reconciliação e reconstrução em curso neste país. Para que tal processo tenha lugar, é preciso que todos os membros da sociedade trabalhem juntos; todos devem ter voz; devem ser livres de expressar as suas preocupações, as suas necessidades, as suas aspirações e os seus temores. Mais importante, porém, é estarem prontos a aceitar-se uns aos outros, respeitar as legítimas diversidades e aprender a viver como uma única família. Quando as pessoas se ouvem humilde e francamente umas às outras, pouco a pouco vão aparecendo mais visivelmente os valores e aspirações comuns. A diversidade será vista, não já como uma ameaça, mas como uma fonte de enriquecimento. Divisa-se mais claramente a estrada para a justiça, a reconciliação e a harmonia social.

Neste sentido, a grande obra de reconstrução deve incluir a melhoria das infra-estruturas e prover às necessidades materiais, mas também, e mais importante ainda, promover a dignidade humana, o respeito pelos direitos humanos e a plena inclusão de todos os membros da sociedade. Formulo votos de que os líderes políticos, religiosos e culturais do Sri Lanka, medindo as suas palavras e acção sobre a base do bem e da cura que daí resultará, prestem uma contribuição duradoura para o progresso material e espiritual do povo do Sri Lanka.

Senhor Presidente, queridos amigos! Mais uma vez vos agradeço pela vossa recepção. Possam estes dias que passaremos juntos ser dias de amizade, diálogo e solidariedade. Invoco a abundância das bênçãos de Deus sobre o Sri Lanka, a Pérola do Oceano Índico, e rezo para que a sua beleza brilhe em todo o seu esplendor para bem da prosperidade e da paz de todos os seus habitantes.

Programa da viagem do Santo Padre (https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/travels/2015/outside/documents/papa-francesco-sri-lanka-filippine-2015.html)