O Papa, em Sarajevo: "Construí a paz"

O Santo Padre completou a sua visita a Sarajevo. O tema principal dos seus discursos foi a paz. Animou os jovens a fazer bom uso dos meios de comunicação. Publicam-se as suas intervenções.

Homilia na Santa Missa. Estádio Koševo
Amados irmãos e irmãs!

Nas leituras bíblicas que ouvimos, ressoou várias vezes a palavra «paz». Palavra profética por excelência! Paz é o sonho de Deus, é o projecto de Deus para a humanidade, para a história, com toda a criação. E é um projecto que encontra sempre oposição por parte do homem e por parte do maligno. Também no nosso tempo, a aspiração pela paz e o compromisso de a construir colidem com o facto dos numerosos conflitos armados existentes no mundo. É uma espécie de terceira guerra mundial travada «aos pedaços»; e, no contexto da comunicação global, sente-se um clima de guerra.

Há quem queira deliberadamente criar e fomentar este clima, de modo particular aqueles que procuram o conflito entre culturas e civilizações diferentes e também quantos, para vender armas, especulam sobre as guerras. Mas a guerra significa crianças, mulheres e idosos nos campos de refugiados; significa deslocamentos forçados; significa casas, estradas, fábricas destruídas; significa sobretudo tantas vidas destroçadas. Bem o sabeis vós, que experimentastes isto mesmo precisamente aqui: quanto sofrimento, quanta destruição, quanta tribulação! Hoje, amados irmãos e irmãs, desta cidade ergue-se mais uma vez o grito do povo de Deus e de todos os homens e mulheres de boa vontade: Nunca mais a guerra!

Dentro deste clima de guerra salienta-se, como um raio de sol que atravessa as nuvens, a palavra de Jesus no Evangelho: «Felizes os pacificadores» (Mt 5, 9). Trata-se dum apelo sempre actual, que vale para cada geração. Jesus não diz «Felizes os pregadores de paz»: todos são capazes de a proclamar, até de maneira hipócrita ou mesmo enganadora. Não. Ele diz: «Felizes os pacificadores», isto é, aqueles que a fazem. Fazer a paz é um trabalho artesanal: requer paixão, paciência, experiência, tenacidade. Felizes são aqueles que semeiam paz com as suas acções diárias, com atitudes e gestos de serviço, de fraternidade, de diálogo, de misericórdia... Estes sim, «serão chamados filhos de Deus», porque Deus semeia paz, sempre, por todo o lado; na plenitude dos tempos, semeou no mundo o seu Filho, para que tivéssemos a paz! Fazer a paz é um trabalho que se deve realizar todos os dias, passo a passo, sem nunca nos cansarmos.

E como se faz, como se constrói a paz? Recordou-no-lo, de forma essencial, o profeta Isaías: «A paz será obra da justiça» (32, 17). A frase «opus iustitiae pax» – segundo a versão da «Vulgata» – tornou-se um lema célebre, profeticamente adoptado pelo próprio Papa Pio XII. A paz é obra da justiça. Também aqui falamos, não duma justiça declamada, teorizada, planificada, mas da justiça praticada, vivida. E o Novo Testamento ensina-nos que o pleno cumprimento da justiça é amar o próximo como a nós mesmos (cf. Mt 22, 39; Rom 13, 9). Quando, ajudados pela graça de Deus, seguimos este mandamento, como mudam as coisas! Porque mudamos nós! Aquela pessoa, aquele povo que eu via como inimigo, na realidade tem o meu próprio rosto, o meu próprio coração, a minha própria alma. Temos o mesmo Pai nos Céus. Então a verdadeira justiça é fazer àquela pessoa, àquele povo, o mesmo que eu queria que fosse feito a mim, ao meu povo (cf. Mt 7, 12).

São Paulo, na segunda Leitura, indicou-nos as atitudes necessárias para fazer a paz: «Revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, fazei-o vós também» (Col 3, 12-13).

Eis aqui as atitudes para ser «artesãos» de paz no dia a dia, onde quer que vivamos. Não nos iludamos, porém, de que isto dependa só de nós; cairíamos num moralismo ilusório. A paz é dom de Deus, não em sentido mágico, mas porque Ele, com o seu Espírito, pode imprimir estas atitudes nos nossos corações e na nossa carne, e fazer de nós verdadeiros instrumentos da sua paz. E, lendo em profundidade, o Apóstolo diz que a paz é dom de Deus, porque é fruto da sua reconciliação connosco. Somente se o homem se deixar reconciliar com Deus, é que pode tornar-se um obreiro de paz.

Amados irmãos e irmãs, hoje peçamos juntos ao Senhor, por intercessão da Virgem Maria, a graça de ter um coração simples, a graça da paciência, a graça de lutar e trabalhar pela justiça, de ser misericordiosos, de trabalhar pela paz, de semear a paz e não guerra e discórdia. Este é o caminho que torna felizes, que torna bem-aventurados.

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Encontro com sacerdotes, religiosas e religiosos e seminaristas. Catedral.

Eu tinha preparado um discurso para vós, mas depois de ouvir os testemunhos deste Sacerdote, deste Religioso, desta Religiosa, sinto necessidade de vos falar espontaneamente.

Eles contaram-nos vida, contaram-nos experiências, contaram-nos muitas coisas feias e belas. Entrego o discurso – que é belo – ao Cardeal Arcebispo.

Os testemunhos falavam por si. E esta é a memória do vosso povo! Um povo que esquece a sua memória não tem futuro. Esta é a memória dos vossos pais e mães na fé: aqui falaram apenas três pessoas, mas por detrás delas existem muitos e muitas que sofreram as mesmas coisas.

Queridas irmãs, queridos irmãos, não tendes direito de esquecer a vossa história. Não para vos vingardes, mas para fazerdes a paz. Não para olhar [estes testemunhos] como uma coisa estranha, mas para amar como eles amaram. No vosso sangue, na vossa vocação, há a vocação, há o sangue destes três mártires. E há o sangue e há a vocação de tantas religiosas, tantos padres, tantos seminaristas. O autor da Carta aos Hebreus diz-nos: «Por favor, não esqueçais os vossos antepassados, aqueles que vos transmitiram a fé. Estes [aponta para as testemunhas] transmitiram-vos a fé; estes transmitiram-vos como se vive a fé. O próprio Paulo diz-nos: «Não vos esqueçais de Jesus Cristo», o primeiro Mártir. E estes seguiram os passos de Jesus.

Guardar a memória, para fazer paz. Algumas palavras ficaram-me no coração. Uma, repetida: «Perdoo». Um homem, uma mulher que se consagra ao serviço do Senhor e não sabe perdoar, não serve. Perdoar a um amigo, com o qual tinhas litigado, e te disse um palavrão, ou a uma religiosa que tem ciúmes de ti, não é muito difícil. Mas perdoar a quem te bate, a quem te tortura, a quem te espezinha, a quem ameaça matar-te com a carabina, isto é difícil. E eles fizeram-no, e eles pregam para que se faça!

Outra palavra que me ficou é a dos 120 dias no campo de concentração. Quantas vezes o espírito do mundo nos faz esquecer estes nossos antepassados, os sofrimentos dos nossos antepassados! Esta contagem não foi feita por dias, mas por minutos, porque cada minuto, cada hora é uma tortura. Viver todos amontoados, sujos, sem comida, nem água, esteja calor ou frio, e isto por tanto tempo! E nós, que nos queixamos quando temos um dente que nos dói, ou que queremos ter a televisão no nosso quarto com tantas comodidades, e que criticamos a superiora ou o superior quando a refeição é menos boa... Não esqueçais, por favor, os testemunhos dos vossos antepassados. Pensai quanto sofreram estas pessoas; pensai naqueles seis litros de sangue que recebeu o padre – o primeiro que falou – para sobreviver. E levai uma vida digna da Cruz de Jesus Cristo.

Irmãs, sacerdotes, bispos, seminaristas mundanos são uma caricatura, não servem. Não têm a memória dos mártires. Perderam a memória de Jesus Cristo crucificado, a nossa única glória.

Outra coisa que me vem à mente é aquele miliciano que deu a pêra à irmã; e aquela mulher muçulmana, que agora vive na América, mas então trouxe-lhes de comer... Todos somos irmãos. Mesmo aquele homem cruel pensou... (não sei que coisa pensou!), mas sentiu o Espírito Santo no seu coração e talvez tenha pensado na sua mãe e disse: «Toma esta pêra e não digas nada». E aquela mulher muçulmana passava por cima das diferenças religiosas: amava. Acreditava em Deus e fazia o bem.

Procurai o bem de todos. Todos têm a possibilidade, a semente do bem. Todos somos filhos de Deus.

Felizes de vós que tendes tão perto estas testemunhas! Não as esqueçais, por favor. Que a vossa vida cresça com esta memória. Penso naquele sacerdote a quem morreu o pai quando ele ainda era criança, depois morreu-lhe a mãe, em seguida a irmã… e ficou sozinho. Mas ele era fruto de um amor, dum amor matrimonial. Pensai naquela irmã mártir: também ela era filha duma família. E pensai também no franciscano, com duas irmãs franciscanas; e vem-me à mente aquilo que disse o Cardeal Arcebispo: Que sucede ao jardim da vida, isto é, à família? Sucede uma coisa ruim: não floresce. Rezai pelas famílias, para que floresçam em muitos filhos e haja também tantas vocações.

E, finalmente, quereria dizer-vos que esta foi uma história de crueldade. Também hoje, nesta guerra mundial, vemos muitas, muitas, muitas crueldades. Fazei sempre o oposto da crueldade: tende atitudes de ternura, de fraternidade, de perdão. E levai a Cruz de Jesus Cristo. É assim que a Igreja, a santa Mãe Igreja, vos quer: pequenos, pequenos mártires, tendo diante dos olhos estes pequenos mártires, pequenas testemunhas da Cruz de Jesus.

Que o Senhor vos abençoe! E, por favor, rezai por mim. Obrigado!

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Discurso preparado pelo Santo Padre

Queridos irmãos e irmãs!

A todos vós dirijo a minha saudação afectuosa e estendo-a aos vossos irmãos e irmãs doentes e idosos que não puderam vir aqui, mas estão connosco espiritualmente. Agradeço ao Cardeal Puljić as suas palavras, bem como à Irmã Ljubica, ao Padre Zvonimir e a Frei Jozo os seus testemunhos. Obrigado a todos pelo serviço que prestais ao Evangelho e à Igreja. Vim à vossa terra como peregrino de paz e diálogo, para confirmar e encorajar os irmãos na fé, e de modo particular vós que sois chamados a trabalhar «a tempo inteiro» na vinha do Senhor. Ele diz-nos: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). Esta é a certeza que infunde consolação e esperança, especialmente nos momentos de maior dificuldade para o ministério. Penso nos sofrimentos e provações, passados e presentes, das vossas comunidades cristãs. Apesar de viver neste ambiente, não vos rendestes, mas resististes esforçando-vos por enfrentar as dificuldades pessoais, sociais e pastorais com incansável espírito de serviço. Que o Senhor vos recompense!

Imagino que esta situação da Igreja Católica numericamente minoritária na vossa terra bem como os insucessos do ministério vos façam sentir, às vezes, como os discípulos de Jesus naquela ocasião em que, embora trabalhando toda a noite, nada tinham pescado (cf. Lc 5, 5). Mas é precisamente em tais momentos, se nos entregarmos ao Senhor, que experimentamos o poder da sua Palavra, a força do seu Espírito, que renova em nós a confiança e a esperança. A fecundidade do nosso serviço depende sobretudo da fé: a fé no amor de Cristo, do qual nada poderá jamais separar-nos, como afirma o apóstolo Paulo (cf. Rom 8, 35-39), que, de provações, era bom entendedor! E também a fraternidade nos sustenta e anima; a fraternidade entre sacerdotes, entre religiosos, entre leigos consagrados, entre seminaristas; a fraternidade entre todos nós, que o Senhor chamou a deixar tudo para O seguir, dá-nos alegria e consolação, e torna o nosso trabalho mais eficaz. Nós somos testemunhas de fraternidade!

«Tomai cuidado convosco e com todo o rebanho» (Act 20, 28). Esta exortação de São Paulo – referida nos Actos dos Apóstolos – recorda-nos que, se quisermos ajudar os outros a tornarem-se santos, não nos devemos descuidar de nós mesmos, isto é, da nossa santificação. E, vice-versa, a dedicação ao povo fiel de Deus, a partilha da sua vida e sobretudo a proximidade aos pobres e humildes, faz-nos crescer na nossa configuração com Cristo. O cuidado com o próprio caminho pessoal e a caridade pastoral para com as pessoas andam sempre de mãos dadas e enriquecem-se mutuamente. Nunca se devem separar.

Para um sacerdote e para uma pessoa consagrada, hoje, aqui na Bósnia-Herzegovina, que significa servir o rebanho de Deus? Penso que significa implementar a pastoral da esperança, guardando não só as ovelhas que estão no aprisco, mas também movendo-se, saindo à procura de quantos esperam a Boa Nova e não sabem como encontrar ou reencontrar, sozinhos, o caminho que leva a Jesus. Encontrar as pessoas nos lugares onde vivem, incluindo aquela porção de rebanho que está fora do aprisco, vivendo afastados, às vezes ainda sem conhecer Jesus Cristo. Cuidar da formação dos católicos na fé e na vida cristã. Encorajar os fiéis leigos a serem protagonistas da missão evangelizadora da Igreja. Por isso, exorto-vos a fazer crescer comunidades católicas abertas e «em saída», capazes de recepção e de encontro e corajosas no testemunho evangélico.

O padre, o consagrado é chamado a viver os anseios e as esperanças do seu povo; a trabalhar nos âmbitos concretos do seu tempo, muitas vezes caracterizados por tensões, discórdias, desconfianças, insegurança e pobreza. Perante as situações mais dolorosas, peçamos a Deus um coração que saiba comover-se, a capacidade de empatia; não há melhor testemunho do que a solidariedade com as necessidades materiais e espirituais das pessoas. Nós, bispos, sacerdotes e religiosos, temos a tarefa de fazer sentir às pessoas a proximidade de Deus, a sua mão que conforta e cura; aproximar-se das feridas e lágrimas do nosso povo; não nos cansarmos de abrir o coração e estender a mão a quantos nos pedem ajuda e àqueles que, talvez por pudor, não a pedem, mas têm grande necessidade. A propósito, desejo exprimir o meu apreço às irmãs religiosas por tudo o que fazem generosamente e sobretudo pela sua presença fiel e carinhosa.

Queridos sacerdotes, religiosos e religiosas, encorajo-vos a perseverar com alegria no vosso serviço pastoral, cuja fecundidade provém da fé e da graça, mas também do testemunho duma vida humilde e desapegada dos interesses do mundo. Não caiais, por favor, na tentação de vos tornardes uma espécie de elite fechada em si mesma. O generoso e límpido testemunho sacerdotal e religioso constitui um exemplo e um incentivo para os seminaristas e quantos o Senhor chama para O servir. Permanecendo ao lado dos jovens, convidando-os a compartilhar algumas experiências de serviço e de oração, ajudai-los a descobrir o amor de Cristo e abrir-se à chamada do Senhor. Possam os fiéis leigos ver, em vós, aquele amor fiel e generoso que Cristo deixou como testamento aos seus discípulos.

E uma palavra especial para vós, queridos seminaristas. Dentre tantos testemunhos estupendos de consagrados da vossa terra, recordamos o servo de Deus Petar Barbarić. Ele une a Herzegovina, onde nasceu, e a Bósnia, onde fez a sua Profissão, unindo também todo o clero quer diocesano quer religioso. Este jovem candidato ao sacerdócio, com a sua vida cheia de virtudes, seja de forte exemplo para todos.

A Virgem Maria está sempre ao nosso lado, como mãe carinhosa. É a primeira discípula do Senhor e exemplo de vida dedicada a Ele e aos irmãos. Quando nos encontramos numa dificuldade ou deparamos com uma situação que nos faz sentir toda a nossa impotência, voltemo-nos para Maria com confiança de filhos. E Ela sempre nos diz, como nas bodas de Caná: «Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2, 5); ensina-nos a escutar Jesus e seguir a sua Palavra, mas com fé! Este é o seu segredo que, como mãe, nos quer transmitir: a fé, aquela fé de tal maneira genuína que basta uma migalha para mover montanhas!

Com este abandono confiante, podemos servir o Senhor com alegria e ser, por toda a parte, semeadores de esperança. Asseguro que vos recordo na minha oração e, de coração, abençoo a todos vós e vossas comunidades. Por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.

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Encontro com os jovens. Centro diocesano juvenil “Juan Paulo II"

Estes vossos quatro companheiros vão fazer perguntas. Eu entregarei o discurso preparado a D. Semren, que vo-lo dará mais tarde. E agora respondo às vossas perguntas.

PERGUNTA: [tendo ouvido dizer que o Papa não vê televisão há 20 anos, um jovem pergunta a razão de ser desta escolha]

PAPA:

A minha resposta é assim: não posso responder, sem ver a pessoa...

É verdade! Uma noite, a meados dos anos 90, senti que [a televisão] não me fazia bem, alienava-me, condicionava-me... e decidi deixar de a ver.

Quando queria ver um filme bom, ia ao centro televisivo do arcebispado e via-o lá. Mas só aquele filme... A televisão, ao contrário, alienava-me e impelia-me para fora de mim; não me ajudava. Sem dúvida, sou da Idade da Pedra, sou antigo!

Compreendo que o tempo mudou! Agora vivemos no tempo da imagem. E isto é muito importante. Mas, no tempo da imagem, deve-se fazer como no tempo dos livros: escolher as coisas que me fazem bem! Daqui seguem-se duas coisas. Primeira: a responsabilidade que têm os centros televisivos de produzir programas que façam bem, que promovam os valores, que construam a sociedade, que nos façam crescer, e não nos degradem; e ainda, produzam programas capazes de nos ajudar para que os valores, os verdadeiros valores, se tornem mais fortes e nos preparem para a vida. Esta é a responsabilidade dos centros televisivos. Segunda coisa: saber escolher os programas, e esta é uma responsabilidade nossa. Se vejo que um programa não me faz bem, destrói-me os valores, torna-me vulgar, resvalando mesmo na obscenidade, devo mudar de canal. Como se fazia na minha Idade da Pedra: quando um livro era bom, tu lia-lo; quando um livro te fazia mal, jogava-lo fora. Mas há ainda um terceiro ponto: a fantasia nociva, aquela fantasia que mata a alma. Se tu, que és jovem, vives preso ao computador e te tornas escravo do computador, perdes a liberdade! E, se procuras no computador programas porcos, perdes a dignidade!

Ver a televisão, usar o computador, mas para as coisas belas, as coisas grandes, as coisas que nos fazem crescer. Isto é bom! Obrigado!

PERGUNTA:

Querido Santo Padre, vivo aqui, neste Centro São João Paulo II, e queria perguntar-lhe se conseguiu também sentir a alegria e o amor que todos estes jovens da Bósnia-Herzegovina têm pela sua pessoa.

PAPA:

Para dizer a verdade, quando encontro os jovens sinto a alegria e o amor que têm... não só por mim, mas também pelos ideais, pela vida. Querem crescer! Mas, em vós, há uma coisa singular: sois – creio eu – a primeira geração depois da guerra. Sois flores duma primavera, como disse D. Semren; flores duma primavera que querem seguir para diante, não voltar à destruição, às coisas que nos fazem inimigos uns dos outros. Eu encontro em vós este desejo e este entusiasmo. E isto é novo para mim. Vejo que vós não quereis a; não quereis ser inimigos uns dos outros. Quereis caminhar juntos, como disse Nadežda. E isto é estupendo! Vejo nesta geração, também em vós, em vós todos – tenho a certeza; olhai dentro de vós –, vejo que tendes a mesma experiência de Darko. Não são «eles e eu», somos «nós». Queremos constituir um «nós», para não destruir a pátria, para não destruir o país. Podes ser muçulmano, podes ser judeu, podes ser ortodoxo, podes ser católico... mas somos «nós». Isto é fazer a paz! Isto é próprio da vossa geração, e é a vossa alegria!

Tendes uma vocação grande; uma vocação grande: nunca construir muros, só pontes. E esta é a alegria que encontro em vós. Obrigado!

PERGUNTA:

Também eu estou aqui como voluntária neste Centro, Santo Padre. Que nos pode dizer, qual é a sua mensagem de paz para todos nós jovens?

PAPA:

Nesta resposta, repito um pouco das coisas que disse antes. Todos falam da paz: alguns poderosos da terra falam e dizem coisas lindas sobre a paz, mas por detrás vendem as armas! De vós, eu espero honestidade; honestidade naquilo que pensais, no que sentis e no que fazeis: as três coisas juntas. O contrário chama-se hipocrisia! Anos atrás, vi um filme sobre esta cidade; não me lembro do nome, mas, na versão alemã (aquela que eu vi), era «Die Brücke» («A ponte»). Não sei como se chama na vossa língua... E lá vi como a ponte sempre une. Quando não se usa a ponte para um ir ter com o outro, mas é proibido atravessá-la, torna-se a ruína duma cidade, a ruína duma existência. Por isso, de vós, desta primeira geração do pós-guerra, espero honestidade e não hipocrisia. União, fazer pontes, mas deixar que se possa atravessar dum lado para o outro. Esta é a fraternidade.

PALAVRAS DEPOIS DA TROCA DE PRESENTES

Vós, as flores da primavera do pós-guerra, fazei a paz; trabalhai pela paz. Todos juntos. Todos juntos! Que este seja um país de paz!

«Mir Vama! (A paz esteja convosco!)» Lembrai-vos bem disto!

Que o Senhor vos abençoe. Eu de coração vos abençoo e peço ao Senhor que vos abençoe a todos. E, por favor, rezai por mim!

SAUDAÇÃO FINAL DO PAPA:

Boa noite a todos! «Mir Vama!»: esta é a tarefa que vos deixo. Fazer a paz, todos juntos!

Estas pombas são um sinal de paz, a paz que nos trará alegria. E a paz faz-se entre todos, entre todos: muçulmanos, judeus, ortodoxos, católicos e outras religiões. Todos somos irmãos! Todos adoramos um Único Deus!

Nunca, nunca mais haja separação entre nós! Fraternidade e união.

Agora despeço-me, pedindo-vos, por favor, que rezeis por mim. Que o Senhor vos abençoe!

«Mir Vama

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Discurso preparado pelo Santo Padre

Queridos jovens!

Desejei intensamente este encontro convosco, jovens da Bósnia-Herzegovina e dos países vizinhos. A cada um dirijo a minha afectuosa saudação. Estando aqui neste «Centro» dedicado a São João Paulo II, não posso esquecer tudo o que ele fez pelos jovens, encontrando-os e encorajando-os em todas as partes do mundo. À sua intercessão confio cada um de vós, bem como todas as iniciativas que a Igreja Católica empreendeu na vossa terra para testemunhar a sua proximidade e a sua confiança nos jovens. Todos nós caminhamos juntos!

Conheço as dúvidas e as esperanças que trazeis no coração. Recordaram-no-las o Bispo D. Marko Semren e os vossos representantes, Darko e Nadežda. Em particular, compartilho os votos de que sejam asseguradas, às novas gerações, reais perspectivas dum futuro dignificante no país, evitando assim o triste fenómeno do êxodo. A propósito, as instituições são chamadas a pôr em prática estratégias oportunas e corajosas para favorecer os jovens na realização das suas legítimas aspirações; deste modo, serão capazes de contribuir efectivamente para a edificação e o crescimento do país. A Igreja, por sua vez, pode dar a sua contribuição com projectos pastorais adequados, centrados na formação da consciência cívica e moral da juventude, ajudando-a, assim, a ser protagonista da vida social. Este compromisso da Igreja já é realidade, especialmente através do valioso trabalho das escolas católicas, justamente abertas não só aos estudantes católicos mas também aos das restantes confissões cristãs e doutras religiões. No entanto, a Igreja deve sentir-se chamada a ousar cada vez mais, partindo do Evangelho e impelida pelo Espírito Santo que transforma as pessoas, a sociedade e a própria Igreja.

Também a vós, jovens, cabe um papel decisivo na resposta aos desafios do nosso tempo, que são certamente desafios materiais, mas antes ainda dizem respeito à visão do homem. De facto, juntamente com os problemas económicos, com a dificuldade de encontrar trabalho e a consequente incerteza relativamente ao futuro, nota-se a crise dos valores morais e a perda do sentido da vida. Diante desta situação crítica, alguém poderia ceder à tentação da fuga, da evasão, fechando-se numa postura de isolamento egoísta, refugiando-se no álcool, na droga, nas ideologias que pregam o ódio e a violência. Trata-se de realidades que conheço bem, porque, infelizmente, estão presentes também na cidade de Buenos Aires, donde provenho. Por isso, encorajo a não vos deixardes abater pelas dificuldades, mas a fazer surgir sem medo a força que deriva do vosso ser pessoas e cristãos, do vosso ser sementes duma sociedade mais justa, fraterna, acolhedora e pacífica. Unidos a Cristo, vós, jovens, sois a força da Igreja e da sociedade. Se vos deixardes plasmar por Ele, se vos abrirdes ao diálogo com Ele na oração, através da leitura e meditação do Evangelho, tornar-vos-eis profetas e testemunhas de esperança!

Sois chamados a esta missão: salvar a esperança, para a qual vos impele a vossa própria realidade de pessoas abertas à vida; a esperança que tendes de superar a situação actual, de preparar para o futuro um clima social e humano mais digno do que o presente; a esperança de viver num mundo mais fraterno, mais justo e pacífico, mais sincero, mais à medida do homem. Desejo-vos que tenhais uma consciência cada vez maior de serdes filhos desta terra, que vos gerou e pede para ser amada e ajudada a reedificar-se, a crescer espiritual e socialmente, graças também à contribuição indispensável das vossas ideias e do vosso trabalho. Para vencer qualquer vestígio de pessimismo, é preciso a coragem de gastar-se, com alegria e dedicação, na construção duma sociedade acolhedora, respeitosa de todas as diferenças, orientada para a civilização do amor. Deste estilo de vida tendes uma grande testemunha muito próxima de vós: o Beato Ivan Merz. São João Paulo II proclamou-o Beato em Banja Luka. Que ele seja sempre o vosso protector e o vosso exemplo!

A fé cristã ensina-nos que somos chamados a um destino eterno, chamados a ser filhos de Deus e irmãos em Cristo (cf. 1 Jo 3, 1), a ser criadores de fraternidade por amor a Cristo. Alegro-me pelo empenho no diálogo ecuménico e inter-religioso abraçado por vós, jovens católicos e ortodoxos, com o envolvimento também do mundo juvenil muçulmano. Em tão importante actividade, desempenha um papel significativo este «Centro Juvenil São João Paulo II», com iniciativas de conhecimento mútuo e de solidariedade, para favorecer a convivência pacífica entre as diferentes pertenças étnicas e religiosas. Encorajo-vos a perseverar confiadamente nesta obra, comprometendo-vos nos projectos comuns, com gestos concretos de proximidade e ajuda aos mais pobres e necessitados.

Queridos jovens, a vossa presença jubilosa, a vossa sede de verdade e de altos ideais são sinais de esperança! A juventude não é passividade, mas esforço tenaz por alcançar metas importantes, mesmo que isso custe; não é fechar os olhos às dificuldades, mas recusar os comprometimentos e a mediocridade; não é evasão ou fuga, mas compromisso de solidariedade com todos, particularmente com os mais frágeis. A Igreja conta e quer contar convosco, que sois generosos e capazes dos melhores impulsos e dos mais nobres sacrifícios. Por isso os vossos Pastores, e eu com eles, pedimos que não vos isoleis, mas permaneçais unidos entre vós, para gozar a beleza da fraternidade e ser mais eficazes na vossa acção.

Pelo modo como vos amais e comprometeis, todos podem ver que sois cristãos: os jovens cristãos da Bósnia-Herzegovina! Sem medo; sem fugir da realidade; abertos a Cristo e aos irmãos. Sois parte viva do grande povo que é a Igreja: o povo universal, em que todas as nações e as culturas podem receber a bênção de Deus e encontrar o caminho da paz. Neste povo, cada um de vós é chamado a dar a vida por Deus e pelos irmãos, seguindo a Cristo pela estrada que Ele vos indicar; antes, que vos indica! Já hoje, agora mesmo, o Senhor chama-vos: quereis responder-Lhe? Não tenhais medo. Não estamos sozinhos! Estamos sempre com o Pai celeste, com Jesus nosso Irmão e Senhor, com o Espírito Santo; e temos a Igreja e Maria por mãe. Que Nossa Senhora vos proteja e conceda sempre a alegria e a coragem de testemunhar o Evangelho.

A todos vos abençoo e peço, por favor, que rezeis por mim.