O mundo necessita de poderosos intercessores para superar tanta violência

Nestes dias foram muitas as referências a favor da paz, da concórdia e do diálogo para resolver os conflitos. E neste 2014, para mim inseparável do centenário e da beatificação de Álvaro del Portillo, veio-me muitas vezes à memória a recordação do seu temperamento amável, que tanta paz dava a quantos estavam próximo.

Foto: Ismael Martínez Sánchez

Impressionou-me muito o gesto severo do Papa Francisco – habitualmente jovial – antes de dar a bênção Urbi et Orbi no dia de Natal. Ainda que não disponha de dados concretos, penso que está muito preocupado perante da dificílima tarefa de construir a paz num mundo banhado de violências. Além disso, boa parte da barbárie recai sobre os cristãos de regiões onde vivem quase desde os tempos apostólicos.

PARA MIM, O ANO DE ÁLVARO DEL PORTILLO NÃO TERMINA EM 31 DE DEZEMBRO, MAS NO PRIMEIRO DIA DE 2015, DIA MUNDIAL DA PAZ: NÃO DEIXO DE O PROPOR MUITAS VEZES COMO INTERCESSOR

Nestes dias foram muitas as referências a favor da paz, da concórdia e do diálogo para resolver os conflitos. E neste 2014, para mim inseparável do centenário e da beatificação de D. Álvaro del Portillo, veio-me muitas vezes à memória a recordação do seu temperamento amável, que tanta paz dava a quantos estavam próximo. Evoquei-o expressamente em muitas felicitações de Natal, porque estou persuadido de que é um grande intercessor pela paz nas famílias, na sociedade e no mundo; conflitos aparentemente irresolúveis superaram-se pela intercessão do novo Beato.

Foto: Ismael Martínez Sánchez

Para mim, o seu ano não termina no dia 31 de dezembro, mas no primeiro dia de 2015, dia mundial da paz; não deixo de o propor uma e outra vez como intercessor. Quando em 1995 escrevi as minhas memórias sobre a sua vida, sintetizei a sua bondade e energia, o seu carinho e fortaleza. Não esqueço a paz e tranquilidade que vivia e infundia, prova da sua união com Deus. Ao observar na maturidade da sua vida essa bondade – não bondosidade, mas serenidade deslumbrante – concluía que era fruto da luta cristã, da vitória da vontade e do entendimento, dóceis à graça divina, sobre os traços de um caráter enérgico.

Trazia também na sua alma a paixão pela concórdia entre os povos desde muito jovem, antes mesmo de ter sofrido as amarguras da guerra civil espanhola, incluídos os tempos de prisão e de esconderijos. Ordenado sacerdote em 25 de junho de 1944, celebrou a sua primeira Missa solene três dias depois, na festa de Santo Ireneu. Tinha-lhe devoção, entre outros motivos, porque a liturgia recolhia uma oração – sabia-a de cor – que implorava por essa paz, hoje tão afastada do horizonte vital de tantos cidadãos do mundo.

Foto: Ismael Martínez Sánchez

Por isso, secundou decididamente os urgentes apelos dos pontífices do século XX pela concórdia entre os povos. Recordo como, antes de 27 de outubro de 1986 – celebração em Assis de uma Jornada ecuménica e inter religiosa de oração a favor da paz – propôs aos membros do Opus Dei um objetivo claro: "temos que nos esforçar para que suba ao Céu um grande clamor de oração, unida ao jejum, pela paz do mundo".

Reiterou atitudes semelhantes em momentos cruciais de anos cheios de conflitos, dos Balcãs a Oriente. Muitos textos foram incluídos em Rendere amabile la verità, raccolta di scritti que o Ateneu Romano da Santa Cruz preparou por ocasião das bodas de ouro sacerdotais de D. Álvaro (Libreria Editrice Vaticana, 1995, 693 págs.). Aí se encontra, por exemplo, a sua adesão pessoal aos esforços de João Paulo II a favor da paz no golfo pérsico desde janeiro de 1991.

"TEMOS QUE NOS ESFORÇAR PARA QUE SUBA AO CÉU UM GRANDE CLAMOR DE ORAÇÃO, UNIDA AO JEJUM, PELA PAZ NO MUNDO" (ÁLVARO DEL PORTILLO)

O seu esforço pela paz ia de mãos dadas com a luta pela justiça, na seguimento de Pio XII e da encíclica Pacem in terris de João XXIII. No seu trabalho como canonista, destaca-se um livro de 1969, Fiéis e leigos na Igreja, autêntico canto aos direitos da pessoa. Imagino que terá gostado muito da mensagem do Papa Francisco para o dia mundial da paz de 2015: vincula uma vez mais a paz à superação de graves violações dos direitos humanos, sintetizadas agora nas modernas escravaturas.

Foto: Ismael Martínez Sánchez

Francisco recorda a carta de São Paulo a Filémon, sobre o seu antigo escravo Onésimo: a conversão a Cristo "regenera a fraternidade como vínculo fundador da vida familiar e base da vida social". A essa virtude opõe-se o crime da escravatura, ainda que oficialmente abolida nos ordenamentos jurídicos; "ainda há milhões de pessoas – crianças, homens e mulheres de todas as idades – privados da sua liberdade e obrigados a viver em condições semelhantes à escravatura". Preocupam o Papa os silêncios cúmplices, a indiferença, perante os sofrimentos das vítimas de conflitos e opressões. Repetiu-o também no dia de Natal, embora muitas pessoas e instituições – também religiosas – trabalhem diariamente contra essa chaga. Para conseguir a paz no mundo, é preciso "globalizar a fraternidade, não a escravatura nem a indiferença".

O Papa Francisco propõe objetivos ambiciosos e apela à iniciativa e ao trabalho de todos. Pela minha parte, não deixo de recorrer à intercessão do Beato Álvaro, para que do Céu continue a contribuir para a paz e a justiça num mundo talvez demasiado atormentado nesta mudança de ano.

Salvador Bernal

Salvador Bernal