"Ir até Deus que vem"

"Pegar no Menino, apertá-Lo contra o nosso coração e dançar com Ele e cantar-Lhe..., sem que nada nos separe d’Ele”. Em tempo de Natal, novo texto do Beato Álvaro del Portillo.

Mais um ano a Igreja convida-nos a prepararmo-nos para dar guarida a Nosso Senhor, que, de novo, quer nascer espiritualmente nas nossas almas. Aperiatur terra et germinet Salvatorem![1], é o grito que a liturgia põe nos nossos lábios: abra-se a terra e venha o Salvador. Essa terra é a humanidade sedenta de Deus; é este nosso mundo que, sem o saber — em pleno século XX — deseja o seu Redentor; é cada ser humano, chamado pelo Senhor a ser seu filho.

O Natal abre diante dos nossos olhos a gozosa realidade da nossa filiação divina, que enche os cristãos de esperança, já que Deus no-la assinalou como alicerce do nosso espírito. Por isso, numa festa como esta que nos preparamos para celebrar, o nosso Padre começava assim a sua oração: «Que vamos nós hoje fazer, no dia em que os homens celebram a festa do Natal? Em primeiro lugar uma oração filial que nos sai maravilhosamente, porque nos sabemos filhos de Deus, filhos muito queridos de Deus»[2]. É tão importante o acontecimento que comemoramos, que a Igreja dedica quatro semanas a prepará-lo. Veni, Domine Iesu![3], convida-nos a rezar, porque o Advento é como uma caminhada: Deus vem até nós, e nós temos que sair ao encontro do Senhor. Que nenhum dos meus filhos fique para trás, que nenhum dê lugar à tibieza. Todos temos que nos esforçar nestes dias por ir mais rapidamente para Deus que vem. E o encontro tem de se realizar em Belém, na humildade daquela gruta e na humildade da nossa vida corrente, sem nada de chamativo exteriormente, mas repleta de amor a Nosso Senhor.

Durante estes dias de Advento, com tanto mais intensidade quanto mais se aproximava a noite de Natal, o nosso queridíssimo Padre costumava pensar na viagem de José e de Maria a caminho de Belém. A Santíssima Virgem, feita Trono de Deus, levava no seu seio o Redentor do mundo, o Messias anunciado pelos Profetas. José, como cabeça daquela família, faria todo o possível por aligeirar as dificuldades da viagem, velando constantemente pela sua Esposa amadíssima e pelo Menino que havia de nascer. Imaginais a prontidão e os cuidados que derramaria, com o coração cheio de agradecimento a Deus Nosso Senhor, que finalmente ia cumprir as promessas de redenção? Gosto de os acompanhar nesse caminho, ajudá-los a superar as incomodidades próprias de qualquer viagem, e ainda mais naquelas circunstâncias. Procuro — aprendi-o do nosso Fundador — ir bem juntinho de Santa Maria e prestar algum serviço a José, como seu escravozito.

Une-te a este grupo, minha filha, meu filho, e ouviremos aquelas conversas que têm inteiramente sabor a Céu, por estes caminhos da terra, porque assim há-de ser a nossa vida pessoal, estar com Deus, cortando os fios subtis, «as amarras», que nos impeçam de seguir as pegadas divinas da nossa vocação. Atenhamo-nos ao que o Senhor nos pede, através daqueles que nos dirigem, sem desculpas e sem regatear.

Minhas filhas e meus filhos, que estas considerações não se fiquem em bons desejos. Muitos cristãos, infelizmente, perderam o sentido do Natal. No máximo, experimentam uma vaga aspiração de felicidade entre as pessoas, confundindo não poucas vezes esse desejo de bem — que está presente, de um ou de outro modo, em todo o ser humano — com uma bondosidade inoperante e superficial, que se apaga perante o primeiro contratempo. Não sabem que a alegria do Natal está enraizada na Cruz, porque este Menino que nasce em Belém, e que é anunciado jubilosamente por vozes de anjos, vem à terra para morrer por nós. Como afirmava o nosso Padre, a alegria «sai por si quando uma pessoa se sente filha de Deus, ainda que por vezes custe e tenhamos que refugiar-nos — humilhados e ao mesmo tempo ditosos — no coração do Pai Celestial. A alegria é consequência da filiação divina, de nos sabermos amados pelo nosso Pai Deus, que nos acolhe e nos perdoa sempre»[4].

Durante este tempo de Advento, no Natal e sempre, vamos oferecer a Deus, com amor, as pequenas mortificações que ninguém vê, mas que temperam convivências realções com as outras pessoas e tornam mais eficaz o nosso trabalho. Procuremos o convívio com Maria e com José, nestas semanas de preparação para o Natal. Assim, na Noite de Natal, quando Jesus nascer, permitir-nos-ão pegar no Menino nos braços, e apertá-Lo contra o nosso coração, e dançar com Ele, e cantar-Lhe..., sem que nada nos separe d'Ele. Desejo que afinemos, que nos esforcemos diariamente por ser homens e mulheres de Deus, pensando que temos obrigação de nos comportarmos de modo que, aqueles com quem nos damos, vejam que somos amigos do Senhor, e que nos conduzimos de modo coerente com a nossa condição de fiéis filhos de Deus. Temos de considerar que, em qualquer momento, as pessoas — com palavras do nosso Padre — nos podem perguntar: «Onde está o Cristo que procuro em ti?»[5].

Na vossa oração diante do Portal de Belém, minhas filhas e meus filhos, tende muito presentes as necessidades da Igreja, do mundo, da Obra. Meditai no fracasso aparente de Cristo, porque muitos homens recusam a graça divina e enchei-vos de confiança e de sentido de responsabilidade; Deus é sempre vitorioso, ainda que às vezes o Seu triunfo chegue por caminhos diferentes daqueles que nós pensamos. Conta contigo e comigo, apesar do nosso nada, para levar a salvação a todas as gentes. Nunca percais esta segurança, ainda que o inimigo das almas — aproveitando-se das nossas debilidades pessoais — tente meter no nosso coração o desalento ou a tristeza. Apoiemo-nos na nossa filiação divina, que o Senhor ratificou de tantas maneiras na vida da Obra, e corramos a refugiar-nos nos braços todo-poderosos do nosso Pai do Céu, bem persuadidos de que omnia in bonum!: tudo — até os nossos pecados, se nos arrependemos sinceramente dessas faltas — tudo concorre para o bem dos que amam a Deus[6].

Rezai muito pela Igreja, para que saia finalmente da situação difícil em que se encontra desde há tempo, e que tantas lágrimas custou ao nosso queridíssimo Padre. Encomendai com todo o carinho o Papa e os seus colaboradores no governo da Igreja, como já vos pedi muitas vezes. Rogai pela santidade dos Bispos, dos sacerdotes e dos religiosos, e pela de todo o povo de Deus; e, muito concretamente, pela santidade de todos os que fazemos parte da Obra. Que sejamos, todos os dias, mais fiéis, más entregues!


[1] Domingo IV de Advento (Antífona de entrada:.Is 45, 8).

[2] S. Josemaria, Notas de uma meditação, 24-XII-1967 (AGP, biblioteca, P06, vol. I, p. 196).

[3] Ap 22, 20.

[4] S. Josemaria, Notas de uma reunião familiar (AGP, biblioteca, P01, 1969, p. 299).

[5] S. Josemaria, Notas de uma meditação, 6-I-1956 (AGP, biblioteca, P01, II-1966 p. 34).

[6] Cfr. Ro 8, 28.