Emérico da Gama: fidelidade fecunda ao longo de 65 anos

No dia 21 de Junho de 2014, às 20h30, Deus chamou a si – aos 83 anos de idade − Emérico da Gama, um dos primeiros Numerários do Opus Dei que iniciaram e dirigiram o trabalho da Obra em Portugal e no Brasil. Por 65 anos − desde que pediu a admissão no Opus Dei em 23 de Janeiro de 1949 e até ao seu falecimento − serviu com plena generosidade a Deus, vivendo fielmente a sua vocação à Obra.

Emérico da Gama

Emérico da Gama nasceu na cidade de Beira, em Moçambique, no dia 8 de Fevereiro de 1931. A sua família, procedente de Goa, na Índia, residia na época nessa colónia portuguesa da África por circunstâncias profissionais de seu pai.

De regresso a Goa, realizou ali os estudos secundários e, uma vez concluídos, mudou-se para Portugal, a fim de estudar em Coimbra e, depois, em Lisboa, o curso de Direito.

Na cidade de Coimbra, conheceu através de um colega a então Residência universitária Montes Claros, onde estava sediado o primeiro Centro do Opus Dei em Portugal. Nessa Residência, participou nos meios de formação espiritual e em diversos trabalhos apostólicos e não tardou a perceber que Deus o chamava a uma vocação de entrega total no Opus Dei. Feliz pela descoberta, a 23 de Janeiro de 1949 escreveu a S. Josemaria solicitando a sua admissão como Numerário do Opus Dei. Dois meses depois teve a alegria de receber pessoalmente o abraço e o incentivo afectuoso do Fundador, que passara por Coimbra, antes de ir a Lisboa, para estar uns dias com seus primeiros filhos portugueses.

Emérico era o primeiro membro indiano do Opus Dei. Por isso, o Padre chamava-lhe o “primogénito” daquele imenso país, que iria ser no futuro um campo fecundo para o trabalho apostólico da Obra. Como a todos os primeiros de cada país a pedir a admissão, S. Josemaria deu ao Emérico uma pequena cruz de madeira, lavrada com material das vigas do antigo tecto da ermida de Molinoviejo (a primeira casa de retiros do Opus Dei).

Muito cedo, mesmo antes de concluir em Lisboa o curso de Direito, foram confiadas ao Emérico tarefas de direcção e formação na Obra. Colaborou estreitamente com o então Conselheiro de Portugal, Pe. Xavier de Ayala, como o faria depois por trinta anos, desde que o Pe. Ayala foi nomeado Conselheiro e, depois, Vigário Regional da Prelatura no Brasil.

Ao mesmo tempo, começou a dedicar-se à tarefa editorial, um trabalho profissional que não cessou de exercer até o fim dos seus dias. Foi o criador e director da Editora Aster, de Lisboa, que muito cedo ganhou um grande prestígio nos países de língua portuguesa – também, na época, no Brasil – pelo nível intelectual e o esmero editorial das obras de cultura católica de autores de renome internacional, que foi dando a conhecer nos meios católicos lusófonos, através das colecções Éfeso, Signo, Biblioteca do Pensamento Católico, Biografias e outras.

Por assuntos relativos à editora, veio ao Brasil em Agosto de 1961, regressando pouco depois a Lisboa. Atendendo ao desejo de S. Josemaria de dar um forte impulso ao trabalho da Obra no Brasil, mudou-se definitivamente para o nosso país. Chegou a 11 de Novembro de 1961, juntamente com o Pe. Xavier de Ayala.

Seria difícil de descrever, com um mínimo de detalhe, a fecundidade do trabalho apostólico, formativo e de colaboração no governo da Prelatura de Emérico no Brasil, ao longo de 53 anos. O seu exemplo, o seu impulso, a sua actuação eficaz devem ser mencionados em todas as iniciativas do Opus Dei no Brasil nestes anos: desde o início do futuro Centro de Estudos Universitários do Sumaré (1962), da construção da casa de convívios Sítio da Aroeira (1964-1967), dos Centros Culturais de Pinheiros, do Pacaembu, da Vila Mariana..., até o Centro de Extensão Universitária (CEU) e o Centro Educacional e Assistencial de Pedreira (CEAP).

Ao longo de tantos anos, são centenas as pessoas que receberam directamente do Emérico – em Círculos, palestras e conversas pessoais – uma grande ajuda para alcançar de Deus a fé e a conversão, para se decidirem a procurar seriamente a santidade, para empenhar-se no apostolado no próprio ambiente familiar e profissional, etc.

O exemplo de zelo apostólico e a lembrança do Emérico edificam e comovem muitos, de modo especial, por dois aspectos. Por um lado, a sua lealdade para com as pessoas. Jamais deixava de confiar nos outros, jamais desistia de manter esperanças de mudança ou de melhora espiritual em relação a ninguém. Era tenaz no trato apostólico e na amizade. Não desistia nem mesmo quando aparentemente havia motivos de sobra para fazê-lo. Esquecido de si mesmo, pensava só em Deus e no bem dos outros. Por isso, sabia ser paciente, perseverante e – quando preciso − enérgico nas tarefas de orientação e direcção de que estava incumbido. Só o amor a Deus, à Igreja, à Obra e a cada alma o moviam.

Por isso mesmo, fazia questão de não aparecer, de trabalhar discretamente, sem ruído, não buscando nunca o aplauso ou elogios pela sua actuação.

Ao lado disso, é necessário mencionar o bem incalculável que promoveu através de criação e direcção da Editora Quadrante, que se tornou referência de boa doutrina nos meios católicos.

Muitas pessoas, famílias e comunidades cristãs – casais, leigos, sacerdotes, religiosos − foram revigorados, animados, reerguidos (muitas vezes quando se achavam em plena crise, ou em perigosa confusão doutrinal e decadência espiritual), através da colecção de livros de espiritualidade cristã publicados por essa editora, na colecção conhecida como “Círculo de Leitura”; ou dos sete volumes de meditações diárias do clássico “Falar com Deus” de F. Fernández Carvajal; ou da célebre e monumental “História da Igreja” de Daniel-Rops, em dez volumes.

Em todos os livros, muitos deles traduzidos pelo próprio Emérico, colocava o esmero próprio de quem aprendeu de S. Josemaria que a santificação do trabalho profissional exige, em primeiro lugar, a realização primorosa de cada tarefa e o cuidado amoroso dos detalhes.

Neste sentido, merece especial destaque o amor com que Emérico empreendeu a tradução das obras de S. Josemaria Escrivá e das biografias sobre o Fundador do Opus Dei.

Já em Agosto de 1964 lançou a primeira edição brasileira de “Caminho”. Quando S. Josemaria esteve em São Paulo, em Maio-Junho de 1974, a pedido do Emérico, escreveu, num exemplar encadernado dessa primeira edição,a seguinte frase como dedicatória: “Ecce exiit qui seminat seminare!... Sancti Pauli, 30-5-1974 – Mariano” (Eis que o semeador saiu a semear...).

Sucessivamente, a Editora Quadrante foi lançando dois volumes de homilias de S. Josemaria, os livros de meditação “Sulco” e “Forja”, os textos de “Santo Rosário e “Via Sacra”, as “Questões atuais do Cristianismo”, etc. Até uns dias antes do seu falecimento, ainda esteve a trabalhar na revisão da tradução da extensa “edição histórico-crítica” de “Caminho”, à qual havia dedicado muitas horas nos últimos anos.

Fidelidade fecunda. Este é o resumo de uma vida fiel à vocação. A ela se referia o Prelado do Opus Dei, em carta enviada por fax em 22 de Junho, logo depois de tomar conhecimento do seu falecimento: “Consola-me pensar que a paixão que colocou em cuidar das traduções dos escritos do nosso Padre, beneficiou tantos milhares de pessoas no Brasil, em Portugal e em outros países de língua portuguesa. Além do seu empenho apostólico pessoal, vai-se apresentar ante o Senhor com as mãos cheias de conversões, de decisões de entrega dessas pessoas”, e não deixa de mencionar “o carinho que S. Josemaria tinha pelo Emérico”. Deus deve ter feito que aquele abraço de ambos em Coimbra em 1949 tenha-se renovado agora no Céu.

Pe. Francisco Faus