Assunção de Maria, nossa Mãe

Celebramos hoje, em união com toda a Igreja, o triunfo da Mãe, Filha e Esposa de Deus.

Francesco Granacci, Assunção da Virgem, 1517.

Celebramos hoje, em união com toda a Igreja, o triunfo da Mãe, Filha e Esposa de Deus. A 15 de Agosto de 1951, S. Josemaria fez uma difícil viagem de Roma por estradas em péssimo estado no pós-guerra em Itália ao Santuário de Loreto, que guarda as veneráveis paredes da famosa "Santa Casa" onde Jesus, Maria e José viveram em Nazaré. O santuário estava repleto de peregrinos e ficou emocionado com a sua piedade. Anos mais tarde, em 1963, referiu-se a esses momentos numa homilia:

Celebrei lá a Santa Missa. Queria dizê-la com recolhimento mas não tinha contado com o fervor da multidão. Não tinha calculado que nesse grande dia de festa muitas pessoas dos arredores viriam a Loreto – com a bendita fé dessa terra e com o amor que têm à Madona. E a sua piedade, considerando as coisas – como diria? – só do ponto de vista das leis rituais da Igreja, levava-as a manifestações não muito correctas. E assim, enquanto eu beijava o altar, nos momentos prescritos pelas rubricas da Missa, três ou quatro camponeses beijavam-no ao mesmo tempo. Distraía-me mas estava emocionado. E também me atraía a atenção a lembrança de que naquela Santa Casa – que a tradição assegura ser o lugar onde viveram Jesus, Maria e José – na mesa do altar tinham gravado estas palavras: Hic Verbum caro factum est. Aqui, numa casa construída pelas mãos dos homens, num pedaço de terra em que vivemos, habitou Deus!

O Filho de Deus fez-se carne e é perfectus Deus, perfectus homo, perfeito Deus e perfeito homem! Neste mistério há qualquer coisa que deveria emocionar os cristãos. Estava e estou comovido; gostava de voltar a Loreto... Vou lá em desejo para reviver os anos da infância de Jesus, repetindo e considerando: Hic Verbum caro factum est!

'Santa Casa' – Santuário do Loreto

Jesus Christus, Deus Homo, Jesus Cristo, Deus-Homem! Eis uma magnalia Dei, uma das maravilhas de Deus em que temos de meditar e que temos de agradecer a este Senhor que veio trazer a paz na terra aos homens de boa vontade, a todos os homens que querem unir a sua vontade à Vontade boa de Deus. Não só aos ricos, nem só aos pobres! A todos os homens, a todos os irmãos! Pois irmãos somos todos em Jesus; filhos de Deus, irmãos de Cristo. Sua Mãe é nossa Mãe. (Cristo que Passa, 12-13)

… Agora estamos alegres porque Maria, depois de acompanhar Jesus desde Belém até à Cruz, está junto d’Ele em corpo e alma, gozando da sua glória por toda a eternidade. (Cristo que Passa, 176)

Mas reparai: se Deus quis, por um lado exaltar a sua Mãe, por outro, durante a sua vida terrena, não foram poupados a Maria a experiência da dor, nem o cansaço do trabalho, nem o claro-escuro da fé. Àquela mulher do povo, que, certo dia, irrompe em louvores a Jesus, exclamando Bem aventurado o ventre que te trouxe e os peitos a que foste amamentado, o Senhor responde: Antes bem aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus, e a põem em prática. Era o elogio da sua Mãe, do seu fiat, do faça-se, sincero, entregue, cumprido até às últimas consequências, que não se manifestou em acções aparatosas, mas no sacrifício escondido e silencioso de cada dia…

Para sermos divinos, para nos "endeusarmos", temos de começar por ser muito humanos, vivendo face a Deus dentro da nossa condição de homens correntes, santificando esta aparente pequenez. Assim viveu Maria. A cheia de graça, a que é objecto das complacências de Deus, a que está acima dos anjos e dos santos teve uma existência normal. Maria é uma criatura como nós, com um coração como o nosso, capaz de gozo e de alegrias, de sofrimento e de lágrimas. Antes de Gabriel lhe comunicar o querer de Deus, não sabe que tinha sido escolhida desde toda a eternidade para ser Mãe do Messias. Considera-se a si mesma cheia de baixeza; por isso, reconhece logo, com profunda humildade, que fez em mim grandes coisas Aquele que é Todo-poderoso. (Cristo que Passa, 172)

Assumpta est Maria, in coelum, gaudent angeli. Maria foi levada por Deus, em corpo e alma, para os Céus. Há alegria entre os anjos e os homens. Qual a razão desta satisfação íntima que descobrimos hoje, com o coração que parece querer saltar dentro do peito e a alma cheia de paz? Celebramos a glorificação da nossa Mãe e é natural que nós, seus filhos, sintamos um júbilo especial ao ver como é honrada pela Trindade Beatíssima.

Cristo, seu Filho Santíssimo, nosso irmão, deu-no-la por Mãe no Calvário, quando disse a S. João: eis aqui a tua Mãe. E nós recebemo-la, com o discípulo amado, naquele momento de imenso desconsolo. Santa Maria acolheu-nos na dor, quando se cumpriu a antiga profecia: e uma espada trespassará a tua alma. Todos somos seus filhos; ela é Mãe de toda a Humanidade. E agora, a Humanidade comemora a sua inefável Assunção: Maria sobe aos céus, Filha de Deus Pai, Mãe de Deus Filho, Esposa de Deus Espírito Santo. Mais do que Ela, só Deus. (Cristo que Passa, 171)

A nossa Mãe é modelo de correspondência à graça e, ao contemplarmos a sua vida, o Senhor dar-nos-á luz para que saibamos divinizar a nossa existência vulgar. Durante o ano, quando celebramos as festas marianas, e cada dia em várias ocasiões, nós, os cristãos, pensamos muitas vezes na Virgem. Se aproveitamos esses instantes, imaginando como se comportaria a nossa Mãe nas tarefas que temos de realizar, iremos aprendendo a pouco e pouco, até que acabaremos por nos parecermos com Ela, como os filhos se parecem com a sua mãe.

Imitar, em primeiro lugar, o seu amor. A caridade não se limita a sentimentos: há-de estar presente nas palavras e, sobretudo, nas obras. A Virgem não só dissefiat, mas também cumpriu essa decisão firme e irrevogável a todo o momento. Assim, também nós, quando o amor de Deus nos ferir e soubermos o que Ele quer, devemos comprometer-nos a ser fiéis, leais, mas a sê-lo efectivamente. Porque nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus; mas o que faz a vontade de meu Pai, que está nos Céus, esse entrará no reino dos Céus.

Temos de imitar a sua natural e sobrenatural elegância. Ela é uma criatura privilegiada na História da Salvação, porque em Maria o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Foi testemunha delicada, que soube passar inadvertida; não foi amiga de receber louvores, pois não ambicionou a sua própria glória. Maria assiste aos mistérios da infância de seu Filho, mistérios, se assim se pode dizer, cheios de normalidade; mas à hora dos grandes milagres e das aclamações das massas desaparece. Em Jerusalém, quando Cristo - montado sobre um jumentinho - é vitoriado como Rei, não está Maria. Mas reaparece junto da Cruz, quando todos fogem. Este modo de se comportar tem o sabor, sem qualquer afectação, da grandeza, da profundidade, da santidade da sua alma!

Procuremos aprender, seguindo também o seu exemplo de obediência a Deus, numa delicada combinação de submissão e de fidalguia. Em Maria, nada existe da atitude das virgens néscias, que obedecem, sim, mas como insensatas. Nossa Senhora ouve com atenção o que Deus quer, pondera aquilo que não entende, pergunta o que não sabe. Imediatamente a seguir, entrega-se sem reservas ao cumprimento da vontade divina: eis aqui a escrava do Senhor, faça-se emmim segundo a Vossa palavra. Vedes esta maravilha? Santa Maria, mestra de toda a nossa conduta, ensina-nos agora que a obediência a Deus não é servilismo, não subjuga a consciência, pois move-nos interiormente a descobrirmos a liberdade dos filhos de Deus. (Cristo que Passa, 173)