As associações sacerdotais, S. Josemaria Escrivá, e dois testemunhos

Artigo escrito por Mons. José Rafael Espírito Santo no jornal «Ἐν ἀρχῇ» do seminário diocesano de S. José de Caparide do Patriarcado de Lisboa (edição Maio/Junho de 2016)

Ao falar da vida e missão dos padres, o Papa Francisco sublinhou: “O segredo do nosso presbítero consiste naquela sarça ardente que marca a fogo a sua existência, a conquista e a conforma com aquela de Jesus Cristo, verdade definitiva da sua vida. (…) Ao mesmo tempo, para um sacerdote é vital encontrar-se no cenáculo do presbitério. Esta experiência — quando não é vivida de maneira ocasional devido a uma colaboração instrumental — liberta de narcisismos e ciúmes clericais; faz crescer a estima, o apoio e a benevolência recíproca; favorece uma comunhão não só sacramental ou jurídica mas fraterna e concreta. No caminhar juntos de presbíteros, diversos por idade e sensibilidade, expande-se um perfume de profecia que surpreende e fascina. A comunhão é deveras um dos nomes da Misericórdia”.

É neste sentido que o Concílio Vaticano II acalenta as associações de presbíteros que favoreçam a vida espiritual e a fraternidade sacerdotal. Lemos no Directório para o Ministério e a Vida dos Presbíteros: “a ajuda, que neste campo deve ser dada aos sacerdotes, pode encontrar um sólido apoio nas diversas Associações sacerdotais. Trata-se de realidades que «tendo estatutos aprovados pela autoridade competente, mediante uma regra de vida, adaptada e convenientemente aprovada, e pela ajuda fraterna, estimulam à santidade no exercício do ministério e promovem a unidade dos clérigos entre si e com o próprio Bispo»” [CIC can 278 § 2 – cuja inspiração se encontra no documento do Concílio Vaticano II Presbyterorum Ordinis n 8]. E o Directório diz ainda: “deste ponto de vista, é necessário respeitar, com todo o cuidado, o direito de cada sacerdote diocesano organizar a própria vida espiritual da maneira que julgar mais conveniente, sempre de acordo – como é óbvio – com as características da própria vocação e dos vínculos que dela derivam. O trabalho que estas Associações, bem como os Movimentos e as novas comunidades aprovados, realizam em favor dos sacerdotes é tido em grande consideração pela Igreja, que o reconhece hoje como um sinal da vitalidade com que o Espírito Santo continuamente a renova.”

No passado dia 18 de Maio o Cardeal Muller, abordou numa conferência o tema “Que podemos esperar dos sacerdotes?” e fez um diagnóstico de uma dificuldade que o agitado mundo moderno pode trazer a um padre. É uma citação longa, mas que merece ser lida: “sentimo-nos à deriva e sem o consolo da beleza da comunhão. Pior: sentimo-nos sozinhos. São crises que podem ter origem numa doença inesperada, na morte de uma pessoa que estimávamos muito, na incompreensão do nosso superior ou dos nossos irmãos no presbitério ou talvez num problema pastoral mal resolvido. Quando superamos o primeiro abalo e tentamos gerir a situação, vemos aparecerem dentro de nós aquelas fragilidades, misérias e pecados que ignorávamos que existiam e que depois nos dá vergonha relembrar. Nós, os homens da compaixão e da misericórdia, os homens que diariamente lidam com o Mistério… vemo-nos reduzidos a comportamentos absolutamente mundanos e auto-referenciais, como indica tão frequentemente o Papa Francisco”.

S. Josemaria Escrivá percebia bem isto. Por isso, em 1950, quando o Opus Dei já estava consolidado em vários países, com uma aprovação pontifícia, pensou deixar o Opus Dei para iniciar uma instituição que cuidasse dos sacerdotes diocesanos. Deus, entretanto, fez-lhe ver que não seria necessário esse sacrifício pois os sacerdotes diocesanos cabiam no Opus Dei: nem o espírito do Opus Dei com as suas características de secularidade e de santificação do trabalho corrente ficava adulterado, nem ficava afectada a união de cada um ao seu Bispo. Não haveria portanto dupla obediência e ficava sublinhada a inserção no presbitério da diocese e a união ao Bispo como ponto principalíssimo da santificação dos sacerdotes que se associassem ao Opus Dei.

O primeiro padre diocesano português a integrar a associação sacerdotal integrada no Opus Dei, a chamada “Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz” – e que é apenas uma das muitas experiências de associação sacerdotal cujo trabalho a Igreja olha com muita consideração –, foi D. Alberto Cosme do Amaral, que foi bispo de Leiria-Fátima e que faleceu em 2005.

D. Alberto Cosme do Amaral, antigo bispo de Fátima

D. Alberto escreveu um testemunho de vida no qual confessa que, sendo jovem padre e formador do seminário e começando a ter um maior acompanhamento espiritual pessoal no Opus Dei, a maior transformação que experimentou foi na relação com os sacerdotes. Impressionado com o afecto que S. Josemaria tinha pelos padres diocesanos, resolveu tentar fazer alguma coisa. Disse ao bispo que, enquanto os seminaristas estão muito acompanhados durante o tempo do seminário, depois de ordenados os padres “são distribuídos pelas paróquias mais distantes da cidade episcopal (Lamego), entregues a si próprios, isolados dos colegas, porque não há meios de comunicação. Se o Senhor Bispo achasse bem, eu dividia a minha semana em duas partes: estaria no Seminário para atender os seminaristas nos primeiros dias da semana e, nos últimos, iria visitar os párocos às suas residências. Foi uma experiência maravilhosa durante oitos anos. Recordo, com gratidão e saudade, aquelas conversas íntimas com cada sacerdote na sua casa paroquial”.

Na Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz pode encontrar acompanhamento espiritual qualquer padre que deseje esse acompanhamento, mesmo sem ser associado. Para se ser admitido como sócio, é além disso necessário estar convencido de se ter recebido um chamamento de Deus para procurar a santidade segundo o espírito do Opus Dei. Essa convicção deve abranger varias dimensões, por exemplo: amor à diocese e união com aqueles que compõem o presbitério diocesano, fomentando a fraternidade e vida em comum sacerdotal de acordo com as directrizes da diocese, obediência e veneração pelo próprio bispo – que é e será sempre o único superior do padre diocesano – , piedade, estudo das ciências sagradas, zelo pelas almas e espírito de sacrifício, empenho por suscitar vocações sacerdotais e compromisso por cumprir com a maior perfeição possível os encargos pastorais.

P. Geraldo Morujão, da diocese de Viseu

O P. Geraldo Morujão, da diocese de Viseu, também publicou um relato da sua experiência como sócio da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz. Recorda que, ao dizer a um companheiro, que era do Opus Dei, ele lhe perguntou que vantagens isso lhe dava. “Tive dificuldade de lho explicar, pois as vantagens humanas nunca foram nenhumas. Nem sequer a direcção espiritual que eu recebia na Obra me fornecia instruções para o meu trabalho de formador de futuros sacerdotes, e eu bem necessitava de preparação específica para um trabalho daquela responsabilidade. Do que eu ouvia falar nas reuniões de formação e nos convívios de Verão era da necessidade e primazia da vida interior, da santificação do trabalho de cada um, do cultivo das virtudes humanas e sobrenaturais, da amizade e fraternidade, do espírito de serviço, do amor à Igreja e ao Papa, do nihil sine Episcopo, de simplicidade e liberdade interior”.

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Edição Maio/Junho de 2016 na íntegra