A virtude preferida de S. Josemaria? A sinceridade

Pippo Corigliano conta algumas recordações do Fundador do Opus Dei, que conheceu quando tinha 19 anos.

S. Josemaria faleceu em junho de 1975. Parece-me incrível que um facto que recordo com tanta nitidez tenha acontecido há tanto tempo. Estávamos a almoçar num centro da Obra em Milão quando o padre Mario Lantini recebeu um telefonema urgente. Quando regressou, disse comovido: "O Padre morreu". Ficámos petrificados. Interrompemos a refeição e fomos para o oratório. Depois, acompanhei Cesare Cavalleri à estação, que naquele dia tinha vindo almoçar. Era o dia 26 de Junho e o tempo estava esplêndido, um sol radiante resplandecia em Milão. Quando deixei o Cesare, olhei à minha volta, e parecia-me estranho que tudo estivesse tão alegre, quando eu tinha aquele peso no coração.

26 de junho de 1975: parecia-me estranho que tudo estivesse tão alegre, com um sol radiante, quando eu tinha aquele peso no coração

Menos de três meses antes, tinha sido convidado a ir a Villa Tevere, em Roma e, depois da refeição, tinha contado ao Padre alguns episódios do encontro organizado durante a Semana Santa com estudantes italianos numa residência universitária situada no bairro romano do Eur. Alguns desses universitários tinham pedido a admissão na Obra e o Padre comentou: "É uma questão de fé, não é questão de outras questões", aludindo ao apostolado.

Recomendou-me que fosse compreensivo com as debilidades dos jovens "que são iguais às nossas" acrescentou. E disse uma frase que D. Álvaro citou na primeira carta que escreveu depois da morte do Padre (D. Álvaro del Portillo foi um fiel colaborador de São Josemaria, e seu primeiro sucessor no governo do Opus Dei). "O pior que nos pode acontecer no Opus Dei é que não se note que nos amamos". Uma frase que sempre tem sido fonte de inspiração para mim no convívio com os outros. Não me alongo a referir alguns episódios que contou naquela altura, embora ao princípio eu tivesse achado que estava cansado, esse cansaço desapareceu rapidamente quando lhe falei do apostolado.

S. Josemaría Escrivá com os jovens de "Moncloa", uma residência universitária em Madrid, 24-10-1972

Um clima de família
Pensei na primeira vez que tinha visto São Josemaria, naquela mesma sala em 1961. Eu tinha 19 anos e estava emocionado porque ia conhecer o autor de Caminho, o livro que lia há vários anos. Tinha pedido a admissão no Opus Dei como numerário no ano anterior e reparei que os outros, mais velhos do que eu, também estavam um tanto nervosos com a vinda do Padre. O clima mudou por completo logo que vimos a sombra de dois sacerdotes. O segundo, D. Álvaro, dirigiu-se a sorrir para o fundo da sala, enquanto o Padre se sentava no braço de um sofá.

Começou rapidamente a brincar com todos e criou-se um clima de família que sempre encontrei no Padre. A certa altura, viu Giorgio del Lungo que tinha regressado da Suíça. Pôs-lhe as mãos no rosto e olhou-o com um olhar tão carinhoso que percebi imediatamente quanto o Padre nos amava, com coração de pai e de mãe. Recordo também uma cena habitual: o Padre detém-se enquanto está a falar e diz em voz alta: "Álvaro!" e imediatamente se ouve a voz de D. Álvaro que pronuncia a palavra que o Padre procurava.

Entre tantas recordações, há uma de um almoço que tive a sorte de partilhar com o Padre no Verão de 1972, em Civenna, uma povoação que se ergue entre os dois lados do lago de Como. Com o pretexto de lhe levar correio, ia um de nós de cada vez ao lugar onde o Padre estava e ficava lá quase todo o dia. O Padre perguntou-me: "Gostas de morar em Milão?" Recordando que o Padre gostava de dizer piadas sobre os lugares de proveniência (fazia-o sobretudo com Peppino Molteni, de Brianza), respondi: "Padre, Milão tem uma vantagem. Quando se sai de lá, fica-se num sítio melhor". O Padre sorriu mas não disse nada. Vinte e cinco anos depois D. Javier, Prelado do Opus Dei, repetiu a mesma frase a um jornalista milanês que lhe tinha sido apresentado: "como diz Corigliano, Milão tem uma vantagem...". Verifiquei assombrado, uma vez mais, a prodigiosa memória de D. Javier.

Fiquei ali ainda mais tempo, naquela tarde inesquecível. O Padre deu-me a beijar a relíquia de S. Pio X que trazia ao pescoço, enquanto D. Javier fingia protestar: "Pippo, como sabes aproveitar as ocasiões!". Naqueles anos o Padre sofria com a situação da Igreja, causada pelas turbulências do pós-concilio.

Nos anos sessenta, estando ainda em Nápoles, organizávamos viagens para ir ver o Padre com os rapazes que frequentavam a Residência Monterone, muitos dos quais já eram da Obra. Eram encontros de uma alegria incrível. Uma vez levámos como presente um carrinho de cerâmica de Vietri puxado por um burrinho, o animal de que o Padre mais gostava, e um dos estudantes cantou num napolitano compreensível "Tu sì ‘na cosa grande pe’ me!".

Criava-se um clima que se vê refletido perfeitamente nos filmes dos encontros de S. Josemaria com muita gente (filmá-los foi ideia de D. Álvaro). Esses filmes são para mim, e penso que para muitos, um tesouro incalculável. É como voltar a encontrar São Josemaria. Sempre que os vejo, digo para mim mesmo: "Pippo é preciso voltar a começar" como se até agora não tivesse dado nenhum passo no caminho da fé e do amor.

O Padre conhecia perfeitamente a psicologia das pessoas e dava exemplos concretos que ficavam na memória, dirigidos sobretudo aos mais novos. Por exemplo, para explicar que não se pode abraçar só uma parte da fé, dizia que em certas coisas não se admitem as meias tintas. Um médico não pode dizer a uma senhora: "a senhora está bastante grávida", ou está ou não está. Os rapazes riam divertidos e a ideia ficava marcada.

A virtude preferida

As respostas que dava às perguntas que lhe faziam eram sempre diferentes e surpreendentes, porque compreendia o estado de alma do interlocutor e adaptava-se à sua situação. À mesma pergunta respondia de forma diversa, exceto quando lhe perguntavam qual era a sua virtude preferida. "A sinceridade", era a resposta imediata.

O Padre vivia todas as coisas de modo apaixonado. Um dia disse-nos que tínhamos de ter o peito de vidro para poderem ler lá dentro, sobretudo quem tivesse o encargo de o fazer porque o Senhor concede abundantemente a graça da humildade àqueles que vêm na ajuda da direção espiritual a voz do Espírito Santo. Depois começou a falar da situação da Igreja e disse-nos, mais ou menos, "se eu tivesse o peito de vidro veríeis o meu coração que sangra". Disse-o de uma forma tão intensa que me comovi. Quase podia ver o coração do Padre a sangrar.

Sobre este temperamento apaixonado, ele tinha construído um método férreo para ser ordenado. Os dois sacerdotes que estavam sempre a seu lado ajudavam-no. Logo que chegava a um lugar, fazia um horário e atinha-se rigorosamente a ele, mas sempre com a elasticidade de um pai. Se algum estava doente encontrava sempre tempo para o ir ver e animar.

Pippo (Giuseppe) Corigliano é napolitano. Licenciou-se em Engenharia em Nápoles e nos anos 70 foi para Milão, onde começou a tomar contacto com os meios de comunicação. De 1980 até 2011 dirigiu em Roma o Gabinete de Informação do Opus Dei para a Itália. Publicou vários livros de espiritualidade.