60 anos de sacerdócio de D. Javier Echevarría

No dia 7 de agosto, fez 60 anos que D. Javier Echevarría, prelado do Opus Dei, foi ordenado sacerdote. Com este motivo, reproduzimos uma fotografia da cerimónia de ordenação, que teve lugar no dia 7 de agosto de 1955 na Igreja da Conceição (Madrid, Espanha).

Naquela ocasião, o Bispo consagrante foi D. Juan Ricote, Bispo auxiliar de Madrid.

Disponibiliza-se também a homilia que o prelado do Opus Dei pronunciou em 2005 na Basílica de Santa Maria Maior (Roma), durante a Missa por ocasião do 50º aniversário da sua ordenação sacerdotal.

***Homilia no 50º aniversário da sua ordenação sacerdotal (2005)

Roma, Basílica de Santa Maria Maior, 22-IX-2005

1. A celebração do quinquagésimo aniversário de sacerdócio convida-me a dirigir-me ao Senhor com esta breve oração: "Obrigado, perdão, ajuda-me mais", para percorrer com renovado impulso o caminho da conversão e do agradecimento, via mestra para progredir na identificação com Cristo. Deste modo procuro seguir as pegadas do meu predecessor como Prelado do Opus Dei, D. Álvaro del Portillo, que gostava de se dirigir a Deus com essa exclamação, especialmente nos aniversários e noutros momentos significativos da sua vida. Também nós podemos começar os nossos dias com estas ou outras palavras semelhantes.

Obrigado, Senhor! À medida que decorrem os anos, mais clara se vislumbra a misericórdia divina. Simultaneamente, sem pessimismos estéreis, mas com realismo, experimentam-se com maior relevo as limitações pessoais. Mas não nos tiram a serenidade, porque — como aos primeiros Apóstolos — o Senhor dirige também a cada um de nós aquelas palavras: ego sum, nolite timere (Mt 14, 27), sou Eu, não temais.

Ao deitar um olhar atento aos cinquenta anos decorridos desde a ordenação sacerdotal, vem-me à memória uma frase de São Josemaría nos anos 30: Que pouco é uma vida, para a oferecer a Deus!... (1). Fazendo eco à verdade dessas palavras, acrescento: que breve é toda a existência terrena, para agradecer adequadamente à Trindade Santa a sua proximidade e o seu carinho! Que pobres somos para corresponder ao amor de Deus como Ele merece!

Gostaria de me dirigir ao Senhor com o mesmo profundo agradecimento que admirei em muitas pessoas santas e, de perto, em São Josemaría. Sei muito bem que estou muito longe de modelos tão excelsos, mas este é verdadeiramente o meu desejo. Por isso, me atrevo a fazer minhas algumas palavras que ouvi pronunciar ao Fundador do Opus Dei na véspera das suas bodas de ouro sacerdotais.

Era o dia 27 de março de 1975, que naquele ano coincidiu com a Quinta-feira Santa. Ao seu lado encontrava-se um pequeno grupo de filhos seus, adorando o Santíssimo Sacramento. De improviso, São Josemaría começou a sua oração pessoal em voz alta; essa oração que, perto do final da sua vida terrena, tinha chegado a ser contínua, de dia e de noite, pois o Senhor concedeu-lhe a graça — que também mencionam alguns Padres da Igreja — de que não se interrompesse nem sequer durante o sono.

Naquela ocasião, entre outras expressões de diálogo confiado com Jesus, presente na Hóstia Santa, ouvimo-lo pronunciar palavras que em todos os que ali estávamos presentes suscitaram uma profunda comoção. Gratias tibi, Deus, gratias tibi! A vida de cada um de nós tem que ser um cântico de ação de graças, pois como é que se fez o Opus Dei? Foste Fizeste-o Tu, Senhor, com quatro gatos pingados... Stulta mundi, infirma mundi, et ea quæ no sunt (cfr. 1 Cor 1, 27-28). Toda a doutrina de São Paulo se cumpriu: procuraste meios completamente ilógicos, nada adequados e estendeste o apostolado pelo mundo inteiro. Dão-Te graças em toda a Europa e em vários pontos da Ásia, da África, em toda a América e na Oceânia. Em todos os sítios Te dão graças (2).Se se expressava assim um santo, quais teriam que ser os meus sentimentos, ao ver-me tão distante dele, tanto em dotes humanos como em qualidades sobrenaturais? No entanto, sei que ao conferir-me o sacerdócio ministerial, o Senhor me chamou seu (cfr. Jo 15, 15), outorgou-me a capacidade de renovar entre os homens o seu divino Sacrifício do Calvário e de dispensar os seus frutos nos outros sacramentos; sei bem que me concedeu o dom de poder proclamar a Palavra, de O representar diante dos homens, de estar intimamente unido a Ele, que deseja aproximar-se de cada pessoa utilizando-me como Seu instrumento. Confiou-me além disso — gratiam pro gratia! (Jo 1, 16) — o cuidado pastoral do Opus Dei, esta pequena parte do seu pusillus grex (cfr. Lc 12, 32), que é a Igreja. Ajudai-me a pedir ao Senhor que eu saiba levar a cabo, com eficácia, a missão recebida, aprofundando o sulco traçado pelos meus predecessores na tarefa de guiar a atual Prelatura.

De algum modo, o Senhor sujeitou-se à vontade dos sacerdotes, quis depender das nossas palavras e dos nossos gestos para atualizar na Santa Missa o mistério pascal da Sua morte e ressurreição. Ele é, como dizia Santo Agostinho, «interior intimo meo», mais íntimo de nós do que nós próprios (3). Gostaríamos de experimentar em todo o momento essa Sua presença na nossa alma, de modo que durante as vinte e quatro horas do dia nos saibamos e nos sintamos instrumentos totalmente seus; e os sacerdotes só sacerdotes, sacerdotes de Jesus Cristo.

2. Ao dirigir o olhar à própria vida, cada um pode descobrir o amor sem quebra, sempre jovem e novo, que a Trindade Santíssima nos deu. Deus olhou-nos a todos nós com interesse divino, com essa atenção delicada que se concede às personalidades importantes da terra. Certamente, para Deus nosso Pai, cada homem, cada mulher, é uma pessoa de importância inestimável. Empti enim estis pretio (1 Cor 6, 20; 7, 23), afirma São Paulo; fomos resgatados por um preço infinito: o sangue do Filho Unigénito, feito homem por nós.

No entanto, da nossa parte — eu, pelo menos, da minha — temos de reconhecer que nem sempre houve uma resposta adequada, mas, pelo contrário, tantas carências, tanta falta de amor, nas coisas pequenas e nas grandes. Por isso, sinto a imperiosa necessidade de pedir indulgência. Ajudai-me a suplicar ao Senhor — Pai, Filho e Espírito Santo, Trindade Santa — também por não ter estado à altura das circunstâncias; por não me ter dado conta, com maior profundidade, de que Deus encontra as suas delícias em estar com os filhos dos homens — deliciæ meæ esse cum filiis hominum (Prv 8, 31) — e deseja alegrar-se comigo, com todos nós, na maior intimidade; infelizmente, tantas vezes! nós não O soubemos acolher e conversar com Ele.

Fazendo minhas, uma vez mais, as palavras de São Josemaría, também eu devo confessar — e com maior razão — que à volta dos cinquenta anos, estou como um menino que balbucia. Estou a começar, a recomeçar, em cada dia. E assim até ao fim dos dias que me restem, sempre a recomeçar. O Senhor quer assim, para que não haja motivos de soberba em nenhum de nós, nem de néscia vaidade. Temos de estar pendentes d’Ele, dos seus lábios: com o ouvido atento, com a vontade tensa, disposta a seguir as divinas inspirações (4).

Si quereis unir-vos hoje especialmente a mim na oração, suplico-vos que peçais ao Senhor que estas palavras de um sacerdote santo arraiguem profundamente no meu coração, de modo que as faça minhas com total sinceridade. Pela minha parte, asseguro-vos que todos os dias rezo por vós, por cada um de vós. A todos peço perdão pelas minhas faltas de correspondência e de serviço, pelas possíveis ofensas que vos tenha podido causar, pelas vezes que me tenha comportado com alguém sem ter em conta a estupenda realidade de que somos filhos amadíssimos de Deus e irmãos de Jesus Cristo.

Suplico à Santíssima Virgem, que se manteve fiel junto da Cruz (cfr. Jo 19, 25), que nos faça avançar a todos pela senda mestra da caridade, que saibamos exaltar a Santa Cruz nos nossos corpos e nas nossas almas, de modo que em todos se faça realidade a profunda aspiração que o próprio Senhor gravou a fogo no espírito do Fundador do Opus Dei, numa data bem concreta do ano de 1931.

Naquele dia, 7 de agosto, durante a celebração da Missa, São Josemaría escutou no fundo da alma umas palavras do Evangelho de São João na versão da Vulgata, então vigente na Liturgia: et ego, si exaltatus fuero a terra, omnia traham ad meipsum (Jo 12, 32). Deus fez-lhe entender com uma luz intelectual muito clara o sentido da missão confiada aos homens e às mulheres do Opus Dei no seio da Igreja. Anos mais tarde, numa meditação, aludindo àquela locução divina, comentava: aquele pobre sacerdote não sabia que ia ser coroado assim, tão divinamente, o Opus Dei. Mas compreendeu sim que, no alto de todas as atividades humanas, tinha que haver homens e mulheres com a Cruz de Cristo nas suas vidas e nas suas obras, levantada, visível, reparadora, redentora; símbolo da paz, da alegria; símbolo da Redenção, da unidade do género humano, do amor que Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, a Trindade Beatíssima, teve e continua a ter aos homens (5).

3. Ensina o Apóstolo: ninguém pode dizer: «Senhor Jesus!», se não for pelo Espírito Santo (1 Cor 12, 3). Se São Paulo fala deste modo, quanto mais nós, na presença de Deus, nos temos que nos reconhecer necessitados da ajuda do Céu! Bem consciente do auxílio que continuamente me é dispensado, dirijo-me de novo ao Senhor e Deus nosso, para Lhe repetir uma vez mais: obrigado, perdão e ajuda-me mais! Por esta razão, como recordatório do quinquagésimo aniversário de ordenação, elegi a figura do Crucifixo, para que na minha vida, e na vida de todos, arraigue com maior incisividade o convencimento — real, prático, concreto — de que a nossa fortaleza, as nossas virtudes, os nossos êxitos, procedem somente da bondade divina, manifestada de modo sumo em Cristo cravado na Cruz pelos nossos pecados.

Para levar por diante a nova evangelização tantas vezes desejada por João Paulo II, e agora pelo Papa Bento XVI, temos que ser homens e mulheres de Cruz: requere-o urgentemente este nosso mundo. Procuremos viver e anunciar: lux in Cruce, requies in Cruce, gaudium in Cruce.

Assomam à minha memória outras considerações do Fundador do Opus Dei. Quase no final do inflamado colóquio que, como recordei anteriormente, tinha mantido com Jesus no Santíssimo Sacramento, dirigiu-se aos que seguíamos as suas palavras, e aos fiéis da Prelatura de todos os tempos, para nos recordar algo que nos tinha ensinado muitas outras vezes. Temos de estar — disse-nos — no Céu e na terra, sempre. Não entre o Céu e a terra, porque somos do mundo. No mundo e no Paraíso ao mesmo tempo! Esta seria como que a fórmula para expressar como temos que compor a nossa vida, enquanto estejamos in hoc sæculo. No Céu e na terra, endeusados; mas sabendo que somos do mundo e que somos terra, com a fragilidade própria do que é terra: um vaso de barro que o Senhor quis aproveitar para o seu serviço (6).

Antes de concluir, sinto o dever de agradecer a São Josemaría, que me chamou ao sacerdócio e de quem tudo aprendi, e a D. Álvaro del Portillo, ao lado de quem passei muitos anos; foi para mim um mestre de fidelidade a Deus. Agradeço aos fiéis da Prelatura do Opus Dei — homens e mulheres, leigos e sacerdotes — aos bispos e sacerdotes da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, bem como aos cooperadores e aos inumeráveis jovens que frequentam os apostolados da Obra, que com as suas orações e os seus sacrifícios me apoiam e acompanham dia após dia. Agradeço aos meus pais e aos meus irmãos e irmãs, a quem devo — humanamente falando — um percentagem muito considerável da minha vocação cristã e sacerdotal. Agradeço às inumeráveis pessoas com que me cruzei ao longo destes cinquenta anos, que também me ajudaram com as suas orações, exemplos e palavras. A todos se dirige o meu agradecimento mais sentido, com a promessa, pela minha parte, de orações constantes e ininterruptas.

Desejo dirigir uma saudação especial aos cardeais, bispos e sacerdotes aqui presentes, e a quantos não puderam acompanhar-me fisicamente neste dia, mas se encontram espiritualmente unidos a nós. De modo particular, agradeço ao Santo Padre Bento XVI pela carta tão paternal que me enviou por ocasião deste aniversário e pelas demonstrações de carinho ao Opus Dei e à minha pessoa, que quis manifestar. Tudo isto constitui um estímulo para intensificar a minha união afetiva e efetiva com a sua Augusta Pessoa e as suas intenções.

Desejo também expressar o meu reconhecimento aos anteriores Romanos Pontífices que tive a alegria de conhecer. De modo particular o meu pensamento vai para o amadíssimo Papa João Paulo II, de venerável e feliz memória, um verdadeiro pai para milhões de pessoas, como confirmou a enorme comoção causada em todo o mundo pelo seu falecimento. Além de me nomear bispo e de me conferir a ordem do episcopado, tantas vezes e de modos diversos manifestou o seu interesse e o seu afeto pela Prelatura do Opus Dei. Cheio de confiança, recorro à sua intercessão na presença de Deus.

Maria, Mulher eucarística, é também Mulher fiel junto à Cruz. Com o seu fiat! na Anunciação, prolongado sem interrupção no decurso da sua vida, respondeu ao amor de Deus com a plena entrega da sua pessoa; agora cuida de nós, seus filhos, com amor materno. A Ela me dirijo com palavras da sequência Stabat Mater, que recitámos recentemente por ocasião da festa das Dores de Nossa Senhora.

Sancta Mater, istud agas, Crucifixi fige plagas cordi meo valide. Suplico a Santa Maria que, como fruto dessa identificação com o seu Filho crucificado, me ensine — nos ensine a todos — a amar mais Cristo, o Pai e o Espírito Santo. Fac ut ardeat cor meum in amando Christum Deum. Assim seja.

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(1) S. Josemaría. ‘Caminho’ n. 420

(2) S. Josemaría, Meditação, 27-III-1975 (cit. em S. Bernal, Apuntes sobre la vida del Fundador del Opus Dei, 6ª ed., p. 358).

(3) Cfr. Santo Agostinho, Confissões, III, 6, 11 (CCL 27, 33).

(4) S. Josemaría, Meditação, 27-III-1975 (op. cit., p. 357).

(5) S. Josemaría, Meditação, 2-XI-1958.

(6) S. Josemaría, Meditação, 27-III-1975 (op. cit., p. 360).