45. Que diz o Evangelho de Filipe?

Trata-se de um escrito contido no Códice II da colecção de códices coptos de Nag Hammadi (NHC), que se conservam no Museu copto do Cairo. Nada tem a ver com o “Evangelho de Filipe”, citado por Santo Epifânio que dizia que era usado por alguns hereges do Egipto, ou com aquele que outros escritores eclesiásticos mencionam como pertencendo aos maniqueus.

O escrito de Nag Hammadi (NHC II 51, 29-86, 19) apresenta como título no final “Evangelho segundo Filipe”, se bem que, na realidade, nem é um evangelho – não é narração da vida de Jesus – nem o próprio texto se apresenta como sendo de Filipe. Esse título é um acrescento posterior à sua redacção original, feita provavelmente em grego por volta do século III, e que se fundamenta no facto de se atribuir a esse apóstolo o dito de que José, o Carpinteiro, teria feito a cruz a partir das árvores que ele mesmo tinha plantado (91).

A obra contém uma centena de pensamentos mais ou menos desenvolvidos, sem que tenham um fio condutor coerente entre eles. Em dezassete casos, são apresentados como palavras do Senhor, dos quais nove procedem dos evangelhos canónicos e os outros são novos. A maior parte das vezes trata-se de parágrafos extraídos de fontes anteriores de carácter homilético ou catequético. Reflectem uma doutrina gnóstica peculiar, se bem que em parte parecida com a de outros hereges gnósticos, como os valentinianos. Exemplos: a) a compreensão do mundo celeste (Pléroma) como se fosse formado por pares (o Pai e Sofia superior; Cristo e o Espírito Santo – entendido este último como sendo mulher – e o Salvador e Sofia inferior de quem procede o mundo material); b) a distinção entre vários Cristos, entre os quais está Jesus na sua aparição terrena; c) a concepção da salvação como a união, já neste mundo, da alma (elemento feminino do homem) com o anjo procedente de Pléroma (elemento masculino); d) a distinção entre homens espirituais (pneumáticos) que conseguem essa união, e os psíquicos e os hílicos (materiais) aos quais ela é inacessível.

Entre os pontos que mais atenção têm atraído sobre este evangelho estão aqueles que se referem a Jesus e Madalena. Esta é apresentada como a “companheira” de Cristo (36), e acrescenta-se que “o Senhor a beijou (na boca) repetidas vezes”, porque a amava mais que a todos os discípulos (59). Estas expressões, que, à primeira vista, poderiam parecer eróticas, empregam­‑se para simbolizar que Madalena tinha adquirido a perfeição própria do gnóstico e que tinha chegado à luz porque Cristo lho tinha concedido. Acontece algo semelhante quando se fala da “câmara nupcial” como sacramento – ou literalmente um mistério – que constitui o auge do Baptismo, da Unção, da Eucaristia e da Redenção. O matrimónio é empregado como símbolo da união entre a alma e o seu anjo nesse sacramento da “câmara nupcial”. No Evangelho de Filipe, tal sacramento representa a aquisição da unidade originária do homem neste mundo, mas que culminará no mundo celeste que, para o autor, é a própria e verdadeira “câmara nupcial”.

 

Bibliografia: Raymond Kuntzmann - Jean-Daniel Dubois, Nag Hammadi. Evangelio de Tomás. Textos gnósticos de los orígenes del cristianismo, Verbo Divino, Estella 1998 (2ª ed.).

Gonzalo Aranda