Trabalhar por amor

Artigo escrito pelo Prelado do Opus Dei no 40º aniversário da morte de S. Josemaria. Publicado na Agência Ecclesia.

S. Josemaría Escrivá em Villa Tevere, Roma (Italia), 23-IV-1973

S. Josemaría Escrivá em Villa Tevere, Roma (Italia), 23-IV-1973

A nova encíclica do Papa Francisco está interligada com as páginas iniciais das Escrituras: Deus formou o ser humano - homem e mulher - e colocou-o no jardim do Éden para que o cultivasse e guardasse (Génesis 2, 15). Em seguida, fez passar todos os animais e levou-os ao homem, para ver como ele os havia de chamar (Génesis 2, 19). Era um ato de amor por parte de Deus, uma forma de expressar a sua confiança em cada ser humano, a quem confiava a tarefa de desenvolver as potencialidades que Ele mesmo havia colocado nas criaturas.

Cada um de nós é guardião e vigilante da criação. Como nos recorda o Papa, Deus colocou o ser humano neste jardim não só para cuidar o que existe, mas para que produza frutos com a arte do cultivo, com o trabalho: "a intervenção humana que favorece o desenvolvimento prudente da criação - afirma Francisco - é a forma mais adequada de cuidar dela, porque implica colocar-se como instrumento de Deus para ajudar a fazer desabrochar as potencialidades que Ele mesmo inseriu nas coisas ('Laudato si', 124)."

Se a humanidade se empenhar em proteger o desígnio da criação, qualquer tarefa humana nobre pode converter-se em instrumento para o progresso do mundo e para a dignificação da pessoa.

A chave é trabalhar perfeitamente bem, com o desejo de servir os outros, por amor a Deus e ao próximo. Certamente intervêm outras motivações, como a necessidade de sustentar-se e sustentar a família, o desejo generoso de ajudar pessoas necessitadas, o desejo de adquirir a perfeição humana numa atividade específica, etc.; mas o apelo do Papa recorda-nos que a meta é ainda mais elevada: colaborar de algum modo com Deus na redenção da humanidade.

No dia de hoje celebra-se o 40º aniversário da morte de S. Josemaria, o sacerdote santo - fundador do Opus Dei - que proclamou no mundo o valor evangélico do trabalho realizado por amor. Sou testemunha de como S. Josemaria procurou viver a sua pregação sobre o trabalho na primeira pessoa, até ao fim do seu caminhar terreno.

“O grande privilégio do homem é poder amar, transcendendo assim o efémero e o transitório", escreveu num livro intitulado Cristo que passa. Por isso – disse ainda - "o homem não pode limitar-se a fazer coisas, a construir objetos. O trabalho nasce do amor, manifesta o amor, ordena-se ao amor. Reconhecemos Deus não só no espetáculo da Natureza, mas também na experiência do nosso próprio trabalho, do nosso esforço. O trabalho é, assim, oração, ação de graças, porque nos sabemos colocados por Deus na terra, amados por Ele, herdeiros das suas promessas".

O trabalho, conforme o sentido que lhe dermos, tem a capacidade de destruir ou dar dignidade às pessoas, de cuidar ou deformar a natureza, de prestar ou omitir o serviço devido ao nosso próximo.

Compreende bem o valor da dignidade do trabalho quem sofre o desemprego e experimenta a angústia da falta de rendimentos económicos. Por esse motivo, as pessoas que estão desempregadas são uma intenção constante na oração e nas preocupações do cristão. Como diz o Papa, ajudar com dinheiro os pobres ou os desempregados "deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências". O verdadeiro objetivo, porém, “deveria ser sempre permitir-lhes uma vida digna através do trabalho". Do mesmo modo, a encíclica recorda-nos que " renunciar a investir nas pessoas para se obter maior receita imediata é um péssimo negócio para a sociedade" (id.).

Bento XVI definiu o cristão como "um coração que vê". No trabalho, a eficácia económica é um critério mas não pode ser o único critério: o cristão põe o coração no trabalho, porque assim o fez Cristo, e esforça-se para tornar essa dedicação um serviço aos outros, que é também louvor ao Criador. Só o trabalho entendido como serviço, o trabalho que põe no centro o homem, o trabalho que se realiza por amor de Deus, é capaz de abrir horizontes para a felicidade terrena e eterna das mulheres e dos homens do nosso tempo.

Javier Echevarría

Prelado do Opus Dei

Agência Ecclesia